Inspirado em Mallarmé, Paul Valéry diz que quem fala no poema é a própria linguagem e não o poeta: a música calada dessa “estranha esgrima”. Se, com efeito, não há nem mesmo um ego scriptor por detrás do poema, com quem o leitor manterá uma interlocução senão consigo mesmo numa atitude de leitura inventiva, colaborativa. A ambigüidade calculada do poema pressupõe um leitor também crítico e atuante. Leitor interessado em produzir sentidos a partir do seu desejo de linguagem. Assim, poderíamos reformular a idéia mallarmeana dizendo o seguinte: quem fala, em última análise, no poema é o leitor, esse intérprete de uma partitura que reúne um conjunto de signos abertos à sua decifração. O poeta-crítico é um leitor-crítico. Segundo Paul Valéry, “a obra romântica, em geral, suporta muito mal uma leitura lenta e sobrecarregada com as resistências de um leitor difícil e refinado. Baudelaire era esse leitor”. Baudelaire e, mais ainda, Paul Valéry vivem o dilema da experiência poética no seio da modernidade. Ou seja, embora peritos artistas do gênero, e tendo em vista a tradição e o entorno a partir dos quais produzem sua arte e sua crítica, não se vêem mais como poetas (naquele sentido consagrado pela antigüidade), mas, antes, se reconhecem como uma representação controversa, como a problematização arrojada deles.
Irene preta, Irene boa. Irene sempre de bom humor. Quem quer ver Irene rir o riso eterno de sua caveira? Parece que só mesmo no espaço sacrossanto da morte, onde deparamos a vida eterna, está permitido ao negro não pedir licença para fazer o que quer que seja. Não se pode afirmar, mas talvez Manuel Bandeira tenha tentado um desfecho ambíguo para o seu poema: essa anedota malandramente lírica oscila entre “humor negro” e humor de branco, o que, afinal de contas, representa a mesma coisa. No além-túmulo – e só mesmo aí –, não nos será cobrado mais nada. Promessa de tolerância ad eternum , e sem margens, feita por um santo branco, esse constante leão de chácara do mais alto que lança a derradeira ou a inaugural luz de entendimento sobre a testa da provecta mucama. Menos alforriada que purificada pela morte, Irene está livre de sua “vida de negro”, mas, desgraçadamente, só ela dá mostras de não ter assimilado isso ainda; quando a esmola é demais o cristão fica ressabiado. Na passagem dest
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