paulo de toledo e eu
Para que serve a poesia?
Esta pergunta me trás à memória o poema “O porto sepulto” de Giuseppe Ungaretti, do qual destaco o seguinte trecho: “Di questa poesia/ mi resta/ quel nulla/ d’inesauribile segreto”, que me permito tresler assim: poesia, essa coisa nenhuma de inexaurível segredo. A poesia não serve para coisa alguma, nem se presta à transmissão de mensagens. Seu fazer parece querer ficar rente àquelas zonas mais obscuras e imprecisas da experiência. Seu movimento sígnico em realidade busca não dissimular, mas sim problematizar, um aspecto crítico da linguagem, ao qual não se dá a devida atenção, a saber: esta crença infundada de que só a linguagem articulada e seu corolário – uma objetividade desinteressada e quase transparente -, é capaz de iluminar e decodificar o íntimo dos seres e das coisas. Na prática, o resultado é bem outro. Tal pretensão de desvelamento acaba, ao contrário, projetando sombras de sentido e mal entendidos em torno à totalidade dos objetos; mais do que “signo tradutor por excelência”, a palavra como legenda se depara o tempo todo com as suas margens e sua arbitrariedade. Assim, mais do que esclarecido, explicado, o real se volta múltiplo, errático quando mediado tão só pelo signo lingual todo-poderoso.
Poesia é “material + procedimento”?
Eu diria que, como a música, poesia é um som e uma pausa; a sílaba tônica e a sílaba átona. Mas, poderíamos complicar um pouco as coisas dizendo o seguinte. Depois das vanguardas da metade do século 20, a idéia de “material” muda de figura. Por exemplo, a arte contemporânea discute a questão da desmaterialização dos seus signos, isto é, cada vez mais se verifica uma recusa aos materiais e suportes consagrados pela tradição das “belas-artes”. O artista contemporâneo tem a sua disposição uma grande variedade de materiais e suportes. A madeira, o bronze, o mármore, a tinta, o barro, a tela tensa na moldura, etc., já não representam elementos inescapáveis da gramática artística. A estética do precário/efêmero trouxe para a arte os “materiais da vida”, a dose necessária de anti-arte. Aqueles materiais “eleitos” correspondem a um tipo de arte concebida para durar além das intempéries. Os materiais e suportes tradicionais exigem do artista seu caráter de artesão, o sujeito que extrai o máximo da matéria-prima. Hoje em dia, o lado artesão começa a perder fôlego. Na academia não se fala mais em “artes visuais”, mas, antes, em “poéticas visuais”. Com isso se privilegia o design de linguagem, a idéia-imagem projetada sobre jogos esquivos de sentido em detrimento da ação física sobre a matéria cujo objetivo era guindá-la aos estratos do sublime. Em poesia, acontece algo similar. A palavra e o silêncio já não são os únicos materiais a disposição do poeta. Ou, dito de outro modo, o verbal da lírica de Camões não é o mesmo verbal da música “sem-versista” da poesia concreta.
Poesia nasce para acabar em livro?
Há nesta pergunta o eco de uma “máxima” mallarmeana que eu gosto de interpretar assim: livro aparece como metáfora de forma ou signo. Vale dizer, não existe poesia fora dos limites do poema. Poesia tem que se resolver numa forma, num ícone. A poesia nasce para acabar-começar com/o desejo de linguagem do leitor.
Há alguma influência das tecnologias na sua poesia? A Internet pode mudar a forma de fazer poesia? Ou ela, a Internet, é apenas mais um veículo de comunicação?
Na minha poesia só se perceberá o influxo das tecnologias poéticas, traço de uma tradição em movimento. Feliz ou infelizmente, a Internet não afetou minha maneira de fazer poesia. Mesmo quando faço poesia não-verbal, minha perspectiva não é aquela do criador multimídia, do profeta high-tech. Minha poesia não-verbal se prende ao caligrama como escrita defectiva, ou seja, tento ser um calígrafo ideográfico que descobre na imprecisão da escrita de punho uma pulsão para o desenho, para o visual. Por enquanto entendo o mundo virtual como um veículo, um meio.
Qual é o melhor critério para julgar a qualidade de um poema?
Quanto menos poeticamente correto, melhor. Anti-poesia, sempre.
Qual é o papel da crítica hoje para o aprimoramento da poesia no Brasil?
A crítica só contribui para o aprimoramento da crítica. O crítico deve propor leituras novas mesmo para as obras arraigadas em chão canônico. Ao mesmo tempo, ele não pode descurar de interpretar o que está sem interpretação. Por mais genial que seja a explicação de um poema, ela jamais poderá substituí-lo. A crítica surge para secundar o poema. Falta curiosidade e ousadia à maioria dos críticos.
Há alguma possibilidade de um poeta ser relevante para a cultura do país, tendo seus livros uma tiragem média de mil ou 2 mil exemplares?
Os poetas relevantes para a cultura do país estão todos mortos. Seus livros vendem muito bem. Poesia precisa de tempo. Há poetas de agora-agora que conseguem excelentes tiragens para os seus livros, todos eles irrelevantes. Como diria o socrático Zé Paulo Paes, cada um deles é o poeta mais importante de sua rua.
Como fazer para a poesia conquistar mais leitores?
Esta não é a questão crucial. Acho que os poetas precisam fazer poesia criativa, não-emasculada e inteligente de modo a inventar e/ou conquistar leitores mais inteligentes.
De quais poetas contemporâneos você mais gosta? Por quê?
Para que os inimigos e amigos tenham o que criticar, começo por Paulo de Toledo, em seguida Cândido Rolim, Ricardo Aleixo, AlexandreBrito, Edimilson de Almeida Pereira, Mauro Faccioni, Wagner Moreira e Oliveira Silveira. Porque todos eles me propõem desafios da ordem do pensamento-arte.
Você acha que as revistas literárias (seja em papel, seja em pixel) contribuem para o aperfeiçoamento da poesia, ou apenas servem para alimentar o ego dos que dela participam? Quais as melhores?
Nem uma coisa, nem outra. O aparecimento e a continuidade de diversas revistas literárias (papel/pixel), e o atrito competitivo entre elas, só fazem aperfeiçoar os projetos editoriais e estéticos desse setor. Elas fazem a metalinguagem, bem, digamos que deveriam fazer. Mas o que você quer dizer com “o aperfeiçoamento da poesia”? Revistas são meios, e, muitas delas, apenas a serviço do mercado livreiro-editorial. E, hoje, sua função se limita à discussão de idéias e de questões estéticas que interessam à contemporaneidade? Não há mais chance para a figura da revista-manifesto. As melhores são aquelas que aboliram o compadrio. No entanto, a questão que fica é: qual delas barganha menos?
Para que serve a poesia?
Esta pergunta me trás à memória o poema “O porto sepulto” de Giuseppe Ungaretti, do qual destaco o seguinte trecho: “Di questa poesia/ mi resta/ quel nulla/ d’inesauribile segreto”, que me permito tresler assim: poesia, essa coisa nenhuma de inexaurível segredo. A poesia não serve para coisa alguma, nem se presta à transmissão de mensagens. Seu fazer parece querer ficar rente àquelas zonas mais obscuras e imprecisas da experiência. Seu movimento sígnico em realidade busca não dissimular, mas sim problematizar, um aspecto crítico da linguagem, ao qual não se dá a devida atenção, a saber: esta crença infundada de que só a linguagem articulada e seu corolário – uma objetividade desinteressada e quase transparente -, é capaz de iluminar e decodificar o íntimo dos seres e das coisas. Na prática, o resultado é bem outro. Tal pretensão de desvelamento acaba, ao contrário, projetando sombras de sentido e mal entendidos em torno à totalidade dos objetos; mais do que “signo tradutor por excelência”, a palavra como legenda se depara o tempo todo com as suas margens e sua arbitrariedade. Assim, mais do que esclarecido, explicado, o real se volta múltiplo, errático quando mediado tão só pelo signo lingual todo-poderoso.
Poesia é “material + procedimento”?
Eu diria que, como a música, poesia é um som e uma pausa; a sílaba tônica e a sílaba átona. Mas, poderíamos complicar um pouco as coisas dizendo o seguinte. Depois das vanguardas da metade do século 20, a idéia de “material” muda de figura. Por exemplo, a arte contemporânea discute a questão da desmaterialização dos seus signos, isto é, cada vez mais se verifica uma recusa aos materiais e suportes consagrados pela tradição das “belas-artes”. O artista contemporâneo tem a sua disposição uma grande variedade de materiais e suportes. A madeira, o bronze, o mármore, a tinta, o barro, a tela tensa na moldura, etc., já não representam elementos inescapáveis da gramática artística. A estética do precário/efêmero trouxe para a arte os “materiais da vida”, a dose necessária de anti-arte. Aqueles materiais “eleitos” correspondem a um tipo de arte concebida para durar além das intempéries. Os materiais e suportes tradicionais exigem do artista seu caráter de artesão, o sujeito que extrai o máximo da matéria-prima. Hoje em dia, o lado artesão começa a perder fôlego. Na academia não se fala mais em “artes visuais”, mas, antes, em “poéticas visuais”. Com isso se privilegia o design de linguagem, a idéia-imagem projetada sobre jogos esquivos de sentido em detrimento da ação física sobre a matéria cujo objetivo era guindá-la aos estratos do sublime. Em poesia, acontece algo similar. A palavra e o silêncio já não são os únicos materiais a disposição do poeta. Ou, dito de outro modo, o verbal da lírica de Camões não é o mesmo verbal da música “sem-versista” da poesia concreta.
Poesia nasce para acabar em livro?
Há nesta pergunta o eco de uma “máxima” mallarmeana que eu gosto de interpretar assim: livro aparece como metáfora de forma ou signo. Vale dizer, não existe poesia fora dos limites do poema. Poesia tem que se resolver numa forma, num ícone. A poesia nasce para acabar-começar com/o desejo de linguagem do leitor.
Há alguma influência das tecnologias na sua poesia? A Internet pode mudar a forma de fazer poesia? Ou ela, a Internet, é apenas mais um veículo de comunicação?
Na minha poesia só se perceberá o influxo das tecnologias poéticas, traço de uma tradição em movimento. Feliz ou infelizmente, a Internet não afetou minha maneira de fazer poesia. Mesmo quando faço poesia não-verbal, minha perspectiva não é aquela do criador multimídia, do profeta high-tech. Minha poesia não-verbal se prende ao caligrama como escrita defectiva, ou seja, tento ser um calígrafo ideográfico que descobre na imprecisão da escrita de punho uma pulsão para o desenho, para o visual. Por enquanto entendo o mundo virtual como um veículo, um meio.
Qual é o melhor critério para julgar a qualidade de um poema?
Quanto menos poeticamente correto, melhor. Anti-poesia, sempre.
Qual é o papel da crítica hoje para o aprimoramento da poesia no Brasil?
A crítica só contribui para o aprimoramento da crítica. O crítico deve propor leituras novas mesmo para as obras arraigadas em chão canônico. Ao mesmo tempo, ele não pode descurar de interpretar o que está sem interpretação. Por mais genial que seja a explicação de um poema, ela jamais poderá substituí-lo. A crítica surge para secundar o poema. Falta curiosidade e ousadia à maioria dos críticos.
Há alguma possibilidade de um poeta ser relevante para a cultura do país, tendo seus livros uma tiragem média de mil ou 2 mil exemplares?
Os poetas relevantes para a cultura do país estão todos mortos. Seus livros vendem muito bem. Poesia precisa de tempo. Há poetas de agora-agora que conseguem excelentes tiragens para os seus livros, todos eles irrelevantes. Como diria o socrático Zé Paulo Paes, cada um deles é o poeta mais importante de sua rua.
Como fazer para a poesia conquistar mais leitores?
Esta não é a questão crucial. Acho que os poetas precisam fazer poesia criativa, não-emasculada e inteligente de modo a inventar e/ou conquistar leitores mais inteligentes.
De quais poetas contemporâneos você mais gosta? Por quê?
Para que os inimigos e amigos tenham o que criticar, começo por Paulo de Toledo, em seguida Cândido Rolim, Ricardo Aleixo, AlexandreBrito, Edimilson de Almeida Pereira, Mauro Faccioni, Wagner Moreira e Oliveira Silveira. Porque todos eles me propõem desafios da ordem do pensamento-arte.
Você acha que as revistas literárias (seja em papel, seja em pixel) contribuem para o aperfeiçoamento da poesia, ou apenas servem para alimentar o ego dos que dela participam? Quais as melhores?
Nem uma coisa, nem outra. O aparecimento e a continuidade de diversas revistas literárias (papel/pixel), e o atrito competitivo entre elas, só fazem aperfeiçoar os projetos editoriais e estéticos desse setor. Elas fazem a metalinguagem, bem, digamos que deveriam fazer. Mas o que você quer dizer com “o aperfeiçoamento da poesia”? Revistas são meios, e, muitas delas, apenas a serviço do mercado livreiro-editorial. E, hoje, sua função se limita à discussão de idéias e de questões estéticas que interessam à contemporaneidade? Não há mais chance para a figura da revista-manifesto. As melhores são aquelas que aboliram o compadrio. No entanto, a questão que fica é: qual delas barganha menos?
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