rosa marques: www.verbavisual.blogspot.com
Que outras considerações poderiam ser feitas a respeito do carnaval que escapassem — fico nos exemplos extremos — tanto do elogio à maneira de Jorge Benjor no tocante ao tema, como da flânerie analítica do sociólogo irresoluto entre uma precipitação rematada à esquerda e a fleuma do esclarecimento a propósito do seu objeto de estudo? Confesso que não pretendo responder à pergunta, que é retórica. Aliás, não sendo partidário nem da visão do conhecido cantor e tampouco da apetência científica do virtual scholar, o que me resta é proceder a uma interpretação cega, tateante e por esboços, compreendendo que a hipótese de um conteúdo comunicável, de um discurso pretensamente racional e completo em torno ao assunto em apreço — seja anterior ou posterior à fatura mesma deste ensaio —, seria um absurdo contraproducente na dinâmica desse modo de pensamento tão caro a Heidegger (e com que me afino), ou seja, pensamento este que não pretende produzir saber prático utilizável, nem nos dotar diretamente com o poder de agir ou de solucionar este ou aquele dilema. Além disso, em mais de um ponto me sinto implicado nessas cogitações fragmentárias sobre o carnaval que a seguir levarei à consideração do leitor. Isto é, gosto do carnaval. Carnaval afro-brasileiro, de caso com o samba, e como se diz hoje “pró-ativo”. Deixo de parte o Carnaval naquela acepção em que a rubrica histórica o assinala como “período anual de festas profanas, originadas na Antiguidade e recuperadas pelo cristianismo...”, etc., e levo em conta apenas o nosso outro carnaval. E os outros carnavais da minha subjetividade. Espero, mesmo, que, entrando em estado de conjunção isomórfica com a coisa assediada, eu seja capaz de uma espécie de logopéia, vale dizer, de uma dança do intelecto. Mais mestre-sala do que mestre-fala. O carnaval não será um objeto; não há um objeto em si. Trata-se, aqui, de uma relação entre o meu desejo de interpretação e aquilo a propósito de que esse mesmo desejo se interroga. Aquilo que a análise considera como “o objeto de estudo”, não é senão um acontecimento, um ser e um compósito sígnicos, e as versões que se vão acumulando a seu respeito compõem a realidade fugidia desse acontecimento.
Não obstante o cunho de “visada contemplativa”, esta abordagem se projeta sobre um fato cultural que encerra corporeidades implosivas em ação, dentro — e, quem sabe, para além — dos marcos do estritamente ideológico. Se o carnaval e a sociedade brasileira formam uma continuidade, um todo coeso relativo e relacional, este breve ensaio tenta instaurar uma descontinuidade, um passo crítico em direção a uma carnavalização em negativo, um interrogar pelo reverso. Portanto, o carnaval aqui pode se converter num problema, em algo que pode ser posto em questão. Para esta visada interpretativa, o carnavalizar, reificado como positividade, soaria inócuo. A formação social brasileira está no cerne da semiótica do carnaval, aquela se projeta especularmente em seu modus faciendi, e o carnaval por seu turno inventa, em troca, essa sorte de brasilidade com a qual nós temos de lidar de modo um tanto psicótico, às vezes recusando-a, às vezes reconhecendo-a como condenação narcísica. No seio da instituição do carnaval, e de suas organizações, vamos encontrar todo um repositório de hábitos e de transmissão de valores, atitudes, modos e modas. Temos aí um espaço de socialização do sujeito e de exercício às vezes traumático dos papéis sociais. Carnaval de verso e reverso, perverso — em sua dupla acepção, ou seja, tanto a que vem do latim perversus = posto às avessas, quanto a que o define como algo “malévolo”, “cruel”. (...)
no link abaixo a íntegra deste ensaio:
http://sibila.com.br/batepro239invencaocarnaval.html
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http://sibila.com.br/batepro239invencaocarnaval.html
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