“Supõe-se que a prosa está mais perto da realidade que a poesia. Entendo que é um erro. Há um conceito, atribuído ao contista Horacio Quiroga, que diz que, se um vento frio sopra do lado do rio, deve-se escrever simplesmente que: ‘um vento frio sopra do lado do rio’. Quiroga, se é que disse isso, parece ter esquecido que essa construção é algo tão distante da realidade quanto o vento frio que sopra do lado do rio. Que percepção temos? [as percepções também são irredutíveis; cada pessoa captará, com maior ou menor ênfase, e desde o seu recorte de desejo, um determinado lance do real; a propósito disso cabe lembrar a questão das afasias; há uma correlação entre as idiossincrasias da percepção e da expressão - r. a.] Sentimos o ar que se move, a isso chamamos vento; sentimos que esse vento vem de certa direção, do lado do rio. E com tudo isso, formamos algo tão complexo quanto um poema de Góngora ou uma sentença de Joyce. Voltemos à frase: ‘o vento que sopra do lado do rio’. Criamos um sujeito: ‘vento’; um verbo: que ‘sopra’; numa circunstância real: ‘do lado do rio’. Tudo isso está longe da realidade; a realidade é algo mais simples [ou mais complexo]. Esta frase aparentemente prosaica, deliberadamente prosaica e comum escolhida por Quiroga é uma frase complicada, é uma estrutura”. (Jorge Luis Borges)
O texto poético é sempre incompreensível, no sentido em que não se acomoda numa última interpretação, isto é, demanda leituras (confrontos, pontos de vista, réplica e tréplica, etc.) e releituras que são irredutíveis ao sujeito-leitor que as produz. Exemplo de um fragmento de texto (aparentemente) compreensível: vejo o sol se pôr. Agora, exemplo de um fragmento de texto (aparentemente) incompreensível: o sol num triste soslaio. Ao lado da ambigüidade desta última mensagem ainda permanece seu viés de arbitrariedade (pois ainda é a tentativa de transformar o simbólico - a palavra - em icônico - o “sol” como que atravessa o sintagma até “se pôr” de maneira anagramática no vocábulo SOsLaio), mas por outro lado ela se relaciona por analogia, em função de sua opacidade, com essa coisa que não pode ser mesurada nem medida, essa coisa imprecisa que vem a ser o próprio tecido do real e sua rede nervosa, sensorial. O real como um complexo sinestésico. Produto dos sentidos (nas duas acepções).
Um desenho do evento do pôr-do-sol vale mais de que mil palavras. Mas, imagine-se o imenso esforço intelectual e o dispêndio de tempo exigidos até que o homem conseguisse conceber e, além disso, pronunciar foneticamente esta frase-estrutura, e, depois, materializá-la em caracteres ou grafemas que fossem suficientemente simples e indicativos a ponto de transmitirem uma mensagem idêntica ou, no mínimo equivalente àquela que o desenho e, talvez, a gestualidade, já haviam dito de maneira compreensível na sua relação mais direta, isto é, icônica, com o objeto.
Vejo o sol se pôr, questão-Quiroga: não se trata de uma frase realista ou que, supostamente, diga/descreva certa realidade de um modo direto e inequívoco, pois se a submetermos a um exame mais atento, e de um ponto de vista semiótico, ou que escape ao “automatismo psíquico”, concluiremos que estamos diante de uma representação por convenção e contigüidade, pois a relação entre o objeto e os signos é arbitrária. Contra essa arbitrariedade, a dimensão literária ou poética do signo verbal arremete o tempo todo em luta vã.
O texto poético é sempre incompreensível, no sentido em que não se acomoda numa última interpretação, isto é, demanda leituras (confrontos, pontos de vista, réplica e tréplica, etc.) e releituras que são irredutíveis ao sujeito-leitor que as produz. Exemplo de um fragmento de texto (aparentemente) compreensível: vejo o sol se pôr. Agora, exemplo de um fragmento de texto (aparentemente) incompreensível: o sol num triste soslaio. Ao lado da ambigüidade desta última mensagem ainda permanece seu viés de arbitrariedade (pois ainda é a tentativa de transformar o simbólico - a palavra - em icônico - o “sol” como que atravessa o sintagma até “se pôr” de maneira anagramática no vocábulo SOsLaio), mas por outro lado ela se relaciona por analogia, em função de sua opacidade, com essa coisa que não pode ser mesurada nem medida, essa coisa imprecisa que vem a ser o próprio tecido do real e sua rede nervosa, sensorial. O real como um complexo sinestésico. Produto dos sentidos (nas duas acepções).
Um desenho do evento do pôr-do-sol vale mais de que mil palavras. Mas, imagine-se o imenso esforço intelectual e o dispêndio de tempo exigidos até que o homem conseguisse conceber e, além disso, pronunciar foneticamente esta frase-estrutura, e, depois, materializá-la em caracteres ou grafemas que fossem suficientemente simples e indicativos a ponto de transmitirem uma mensagem idêntica ou, no mínimo equivalente àquela que o desenho e, talvez, a gestualidade, já haviam dito de maneira compreensível na sua relação mais direta, isto é, icônica, com o objeto.
Vejo o sol se pôr, questão-Quiroga: não se trata de uma frase realista ou que, supostamente, diga/descreva certa realidade de um modo direto e inequívoco, pois se a submetermos a um exame mais atento, e de um ponto de vista semiótico, ou que escape ao “automatismo psíquico”, concluiremos que estamos diante de uma representação por convenção e contigüidade, pois a relação entre o objeto e os signos é arbitrária. Contra essa arbitrariedade, a dimensão literária ou poética do signo verbal arremete o tempo todo em luta vã.
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