Carnaval e tolerância. O treino social encerra forte carga afetiva. A visibilidade dos negros durante o período momesco é tolerada e inflacionada (masoquismo), apenas para confirmar a regra de deflação da sua existência-presença (sadismo) subalterna no restante do ano fiscal. A mulata transfere sua “natureza” à categoria de um rendoso “emprego temporário” durante os dias de folia. O passista-gari confirma a impossibilidade de que um convencional “ócio criativo” possa vir a ser gozado um dia pelos representantes meio brancos da classe média-alta brasileira que se penaliza por não possuir a ginga, por não ser cool o bastante, etc. Portanto, só lhes resta, mesmo, abandonar-se ao trabalho, à especulação, aos seus privilégios históricos e à defesa da meritocracia no livre embate da mobilidade sócioeconômica. Dizem que o gari, tolerado enquanto celebridade (e posam ao lado dele!), é o Othello (shakespeariano e não o pequeno Grande Otelo) sem ressentimento da nossa brasilidade de “cadinho de raças”.
Irene preta, Irene boa. Irene sempre de bom humor. Quem quer ver Irene rir o riso eterno de sua caveira? Parece que só mesmo no espaço sacrossanto da morte, onde deparamos a vida eterna, está permitido ao negro não pedir licença para fazer o que quer que seja. Não se pode afirmar, mas talvez Manuel Bandeira tenha tentado um desfecho ambíguo para o seu poema: essa anedota malandramente lírica oscila entre “humor negro” e humor de branco, o que, afinal de contas, representa a mesma coisa. No além-túmulo – e só mesmo aí –, não nos será cobrado mais nada. Promessa de tolerância ad eternum , e sem margens, feita por um santo branco, esse constante leão de chácara do mais alto que lança a derradeira ou a inaugural luz de entendimento sobre a testa da provecta mucama. Menos alforriada que purificada pela morte, Irene está livre de sua “vida de negro”, mas, desgraçadamente, só ela dá mostras de não ter assimilado isso ainda; quando a esmola é demais o cristão fica ressabiado. Na passagem dest
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te deixo um abraço.
romério