Postigos é um livro bilingue. Livro que se abre tanto à palavra oral, como à palavra grafada na página branca. Carmen Silvia Presotto contempla as diversas dimensões da materialidade do signo poético enquanto objeto verbal. Portanto, no ato de fruição dos poemas agora reunidos, posso escolher entre: a) ler em silêncio; b) ler à viva voz, imprimindo o meu acento e meu ritmo pessoais a essa ou aquela peça; e c) ouvir, comparando à minha a interpretação (em sentido musical) levada a efeito por um terceiro. Naturalmente, a escolha provisória por um desses modos de fruição (digamos que tenha sido “b”) não implica o descarte nem a menor importância dos que ficaram à parte para depois (“a” e “c”). Tudo se prende à escolha e ao acaso.
O projeto gráfico-editorial da obra — ou seja, um híbrido de livro/CD —, vai ao encontro dessa condição atual em que os cruzamentos discursivos e culturais se tornaram um fato consumado. Nos dispomos, com frequência, à mestiçagem de linguagens. Não há mais uma distinção clara entre o que se entendia como alta cultura e o que hoje se entroniza como cultura pop ou de massa. Entretanto, se essa fronteira ainda existe, cruzamo-la de um lado para o outro sem a menor cerimônia e sempre indiferentes aos fiscais aduaneiros que, há muito, só fazem cochilar. Essa dimensão pop, por assim dizer, customiza a imagem da poesia no espaço da blogsfera como lição da mais franca liberdade expressiva. Nesse âmbito a poesia não é mais aquela. Mas não há caminho fácil às musas e nenhum verso é livre para o verdadeiro poeta. Em âmbito internético, a poesia se torna uma possibilidade de polifonias às vezes ensurdecedoras, e em outras vezes lembra também um espelho rompido em mil fragmentos que jamais se unirão. Com efeito, a blogsfera é um lugar de encontros (e ao mesmo tempo de desencontros e de ruídos que minam a capacidade de julgamento) mas, graças a isso ou à revelia disso, a poeta blogueira Carmen Silvia Presotto, com uma generosidade pop (que não deixa de ser um situar-se mais político-afetivo do que poético-seletivo), abriga entre as capas do seu livro outros poetas com quem dialoga socraticamente, convidando-os a dar uma “canja”. Esclareço: os sentidos que busco no adjetivo e substantivo “político” a propósito do trabalho de Carmen, dizem respeito “àquilo que é pertinente à cidadania”, ou “àquele(a) que revela polidez e cortesia”.
Postigos é um livro ambíguo. Trata-se, por um lado, de um livro de autor. E, de outro, apresenta-se como uma sucinta antologia. Toda antologia faculta ao leitor a possibilidade de testar os limites do seu apetite de linguagem: é um jogo de perde-ganha. Carmen se divide ou se desdobra em duas para receber seus convivas e estabelecer conversas textuais e vivenciais. A operação é arriscada, pois tende a certa dispersão. Por outro lado, do aparente caos de vozes e desejos, emergem percepções e objetos verbais que dão sustentação e densidade significante ao trabalho.
Comentários
Achei este fragmento genial. Qualquer dia quero reproduzir isto no meu blog, posso?
Gosto muito da poesia de Carmen. Destaco também sua generosidade em publicar e divulgar poesia de novos autores, coisa rara na blogosfera. Abraços!
E Nydia penso que deves reproduzir sim, se está na rede é nosso... e seguimos!!!
Um Abraço para si e obrigado pela atenção.
Quero agradecer-lhe o comentário no meu blog. Tenho da minha poesia a ideia de que, não sendo má, não é eloquente, não surpreende e é muito pouco erudita, (no que isso tem de bom) e é , na generalidade, de muito fraca estrutura. Desculpe-me esta autocrítica neste lugar tão precário que é um comentário, tendo por cima disso que já lhe pedi a si uma crítica. Não queria que ficasse com a ideia que foi em vão, antes pelo contrário, e queria, uma vez mais agradecer-lhe a disponibilidade, perante um gesto, provavelmente ridículo da minha parte.
Obrigado a si, então. Abraços
António