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rock’n’roll que masca clichês



Aqui vão algumas anotações (retardatárias talvez) motivadas pela atmosfera dos factóides abobalhados legados pela turnê do Guns N’Roses em nossas terras (circa 2010), festejada à exaustão por jornalistas de segunda mão e twitteiros de miolo mole. Meu parecer sobre a banda, se é que isso agora tem alguma importância, é: demorou, e já foi tarde.

Sem desprezar o grande número de fãs do grupo — embora isso, a cópia de torcedores-fãs, felizmente, não diga muito acerca de sua real qualidade e significância para os rumos da música popular do planeta —, o Guns é uma trivialidade musical superestimada, inflacionada pelo personalismo infanticida de seu vocalista Axl Rose. E prova de que muitos já não levam tão a sério a banda de hard rock de estilo kitsch, foi a enquete caricata que, há época, uma rádio AM local fez com os seus ouvintes, lançando a seguinte pergunta: quem seria melhor, Amado Batista ou Guns N’Roses? Mas, o curioso é que sob a aparente sem-noção da dúvida proposta pelo radialista, uma secreta equivalência torna-a plausível. Dizem que o cantor e compositor do gênero brega brasileiro — um fenômeno de vendagem — é um sucesso tremendo entre os frequentadores do baixo meretrício; os puteiros populares se inflamam ao som de Amado. Já a música do Guns (o nome da banda é um pornografema de úiltima categoria) não fica muito longe de se conformar como a inadvertida trilha sonora desses pornôs falsamente sofisticados que infestam os canais a cabo. Sexo fake e rock’n’roll que masca clichês.

Se o controvertido adágio de que o rock é uma doença infantil que às vezes se cura com a idade, ainda vale (ao menos para mim), por exemplo, para bandas como Ramones e outras da vertente metal, no caso do Guns o adágio serve no mínimo de epitáfio ou de pena infernal a que o grupo parece se submeter com prazer. Como o ídolo e ex-jogador Ronaldo dos insanos corintianos (seus ex-torcedores), a arte do Guns N’Roses se tornou adiposa. Se lhe resta algum eventual brilho (nostalgia, delay e prorrogação de glórias que se foram), é o da morbidez tão lustrosa quanto predisposta ao cansaço. Para mim, um pesadelo que passou.

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