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pausa para o café


uma entrevista divertida que concedi ao poeta joão pedro wapler
http://ocafe.com.br/

Você é poeta, músico, compositor, crítico literário e professor. A pergunta pode parecer um pouco conservadora, mas vai lá: em que ordem de importância essas atividades estão hierarquizadas na sua vida?


Respondo com algum conservadorismo afetivo e ao mesmo tempo levando em conta questões objetivas. Ou seja, em função da antiguidade e de uma “educação dos cinco sentidos”, a poesia e a música seriam mais importantes, no entanto, nos últimos tempos tenho me aplicado mais na atividade crítica, inclusive porque tenho sido solicitado mais nesse aspecto. Na prática, hoje, todas são importantes, pois vou atendendo às demandas internas (minhas) e externas (alheias) que surgem a partir de cada vertente; há um momento para cada coisa, uma oportunidade para cada uma dessas personas.
A poesia como gênero está, em muitas instâncias, mais próxima de outras manifestações artísticas do que da própria literatura. Posso citar as artes plásticas e o cinema como vertentes de criatividade que convergem muito bem com a arte poética. Você é um grande amante da sétima arte e um apreciador da arte contemporânea. Qual diretor de cinema é uma inspiração artística para você? E no campo das artes visuais, existe algum artista contemporâneo que aguce os seus sentidos?
Gosto da lembrança que você faz a essa pedra-de-toque conceitual poundiana a respeito da maior proximidade da poesia com as artes não-verbais do que com a literatura. Mas só acho que essa frutífera interação não deve nos fazer acreditar que o próximo passo da poesia só pode ser dado na direção do audiovisual de modo a garantir, por exemplo, sua sobrevivência num mundo onde a simultaneidade de linguagens virou obrigação. O próximo passo da poesia deveria ser uma incógnita. O diálogo (mas sem a necessidade de que se alcance um acordo) é que é interessante para a arte. A arte do cinema entrou em minha vida sem essa aura de “arte”, eu simplesmente assistia a filmes em preto e branco numa televisão preto e branco e me divertia; era entretenimento e mais nada. O mesmo se deu com a música. Eu sempre fui um ouvinte da música que tocava no rádio, nunca fui de comprar discos. Hoje, revejo grandes filmes (obras de arte) que passavam despretensiosamente na programação da tarde das redes de televisão; agora o lugar desses filmes é o cineclube. Assisti na televisão a quase todos os musicais com Fred Astaire, os épicos de John Ford, as vertigens de Hitchcock, etc. Naturalmente gosto de muitos diretores, mas, sem dúvida, Hitchcock é o maior, seja pelo conjunto, seja pela inovação constante que realiza a cada filme; como todos os grandes mestres do gênero, isto é, aqueles que vieram do cinema mudo, Hitch sabia contar uma história sem usar palavras, aliás, é dele a máxima: “filmes bons mostram atores pensando”. Seria enfadonho listar meus diretores preferidos, vou citar apenas dois que recentemente vêm me fazendo desviar a atenção da poesia, são eles, Max Ophüls e Yasujiro Ozu; eles são opostos e complementares. A câmera de Ophüls está sempre em movimento, a de Ozu é fixa; o alemão é barroco, o japonês, prosaico; um filma através do mundo e é cosmopolita, o outro faz a crônica de pessoas comuns sem se afastar dos arredores de Tókio. A afirmação a seguir, de Ozu, define a sua e, por antonomásia, a arte de Ophüls: “para que um filme seja bom acho que é preciso renunciar aos excessos do drama e ao excesso de ação”. Na arte contemporânea Regina Silveira é um nome que considero significativo.
Com a disseminação de blogs pessoais, de concursos literários, de poemas no ônibus, etc, a poesia está cada vez mais próxima do dia a dia das pessoas ou isso é pura balela?
Pode ser. Mas isso não quer dizer nada. Minha pergunta é: que poesia é essa consagrada pelos blogs e concursos literários? De ordinário, a poesia desses blogs é de uma ingenuidade ofensiva, coisa muito ruim, kitsch, romântica em sentido mais baixo e tão erótica quanto o fotoshop o possa permitir. O que sai dos concursos é um pouquinho melhor, pois há uma seleção. Sobre essa coisa de a poesia se tornar mais popular, minha tese é a seguinte: o que importa para a continuação da poesia não é a leitura, mas a releitura. Prefiro um leitor que relê a um “leitorado” amplo.
De maneira geral, qual a radiografia que você faz da cena literária gaúcha em comparação ao resto do país? O que mudou nela desde o lançamento de seu primeiro livro, na década de oitenta, até agora?
Vou começar respondendo à sua pergunta com um parapoema ainda inédito em livro, diz assim: “quem ainda é quem/ na literatura portoalegrense?// de ordinário/ os versemakers do lugar não conhecem poesia/ mas têm notícia de poetas e sabem que em outra parte há/ espécimes do gênero et pour cause(mulas dissímulas) mais/ os invejam do que os emulam/ de quem ainda espero alguma coisa:/ joão ângelo salvadori/ diego grando (por 25 rua do templo)// prosadores:/ enquanto os cultivadores do gênero insitirem/ em atravessar (não há caminho fácil rumo às musas) as oficinas/ do thomas mann sul-riograndense/ e do seu tedesco subtenente/ os reservas manterão aquecido o mercado livreiro-editorial e/ o regional de literatura estará na ordem do dia/ de quem ainda espero alguma coisa:/ altair martins// críticos literários:/ muchos sus ignorancias imprimieron/ otros en quien la baxa envidia cabe/ sus locos desatinos/ escribieron/ el ignorante/ es justo que se vengue del letrado –/ agora abro mão da anáfora –/ dessa gente não espero nada”. Reticente com relação ao modernismo e às vanguardas subsequentes, a literatura sul-riograndense é conservadora, historicista, hipotática; sofre por restar entre não ser nem paulista nem argentina, e, graças à estética do frio, essa literatura tende à obesidade. Os escritores “locais” não se comportam de um modo diferente dos autores do “resto do país”, ou seja, todos são competentes e manejam com correção os fundamentos do ofício, mas tais dotes não realçam espíritos superiores, apenas compensam intelectos medianos.
O seu trabalho como editor, em parceria com o poeta Ronaldo Machado, é muito interessante. A editora de vocês, a Éblis, publica exclusivamente poesia – algo raro para uma editora nacional – e tem no seu catálogo uma gama de autores de todas as partes do país. Gostaria que você contasse um pouco da sua experiência no ramo editorial.
A editora Éblis é mais um gesto estético do que empresarial, a ideia se materializa em 2007. Em média publicamos dois livros por ano. Fundamos a editora Éblis para publicar poetas que apreciamos. Afinal, escolhas estéticas representam escolhas éticas e políticas dentro das tensões do sistema literário. Eu e o poeta Ronaldo Machado (co-editor da Éblis) escolhemos poetas a partir da inventividade de linguagem; buscamos poetas que não temam o risco. Mantemos com eles um relacionamento franco, pois não abrimos mão de uma dose necessária de afeto; o trabalho envolve parcerias, por exemplo, nossa distribuição ainda não é tão boa e, portanto, o êxito da edição também vai depender da colaboração do autor. Os autores publicados também nos sugerem outros nomes, deste modo, vamos ampliando os contatos e a sobrevivência desta intervenção cultural.

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