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TRANSNEGRESSÃO


TRANSNEGRESSÃO1



           No período em que morei na cidade de Salvador, Bahia, final da década de 1980, fui procurado, certa ocasião, por uma estudante alemã que desembarcara no Brasil disposta a realizar um minucioso estudo sobre a literatura negra brasileira. A jovem estudante demonstrava grande entusiasmo diante de tudo o que se lhe apresentava. Antes de Salvador havia passado por São Paulo e Rio de Janeiro, onde conheceu, respectivamente, o genial Arnaldo Xavier e o glorioso Ele Semog. Posteriormente, estes poetas encaminharam-na a mim e a outros escritores também residentes em Salvador. Tivemos, se bem me lembro, dois ou três encontros de trabalho envolvendo entrevistas e leituras comentadas de poemas. Numa dessas reuniões, apresentei-lhe sem prévio comentário um poema caligráfico-visual. A jovem alemã, cujo nome prefiro omitir, se pôs a examinar e re-examinar aquelas traços opacos de sentido, e que, de resto, não ofereciam senão mínimos índices de informação verbal. Com um misto de desconfiança e inquietação, parecia procurar na folha de papel a porta de entrada ou, desesperadamente, a primeira fresta por onde escapar. Não demorou muito para que ela, erguendo a cabeça loira, me fizesse a seguinte indagação. Onde está o Negro neste poema?
            Com efeito, até hoje não sei ao certo a que negro a loira estudante quis se referir. No entanto, sua indagação me forneceu algum material para reflexão. Assim, cheguei à conclusão de que tal pergunta traz em seu bojo algo como uma expectativa ready-made no que diz respeito às constantes que, supostamente, deveriam servir de marca, de escopo a uma poética negra. Apresento agora ao leitor algumas variantes que talvez traduzam ou, melhor, que talvez façam vir à tona aquilo que restava subjacente ao questionamento da minha entrevistadora: (1) onde está o típico?; (2) onde estão as palavras chibata, tronco, quilombo, liberdade?; (3) o que é feito do Lamento, da Dor, da Magia Negra?; (4) onde está o almost extinct?. Pois bem, esta expectativa consagrada à força da repetição, e que sobrevive sob o véu esbranquiçado desta(s) pergunta(s) constitui a matéria que pretendo discutir aqui.
             Felizmente, uma parcela pequena, porém viva, de escritores negros vem nos oferecendo, há algum tempo, outros e necessários escurecimentos. Por meio de suas obras, conseguimos vislumbrar o posicionamento mais radical ou plural da idéia de transnegressão. Atentos ao risco da diluição - os esclarecimentos do controle institucional da interpretação -, que acompanha como sombra os bem-intencionados defensores de uma “verdadeira” literatura negra; estes autores transnegressores e seus poemas vão, aos poucos, tornando cada vez mais complexa qualquer definição pretensamente consistente e acabada a respeito das linhas de força do total desta escritura.
            Semelhante tomada de posição nos permite detectar o seguinte: a pergunta angustiada da estudante germânica também comparece com um peso considerável nos critérios de gosto e de valoração da maior parte daqueles que têm fundamentado o seu sucesso debruçando-se sobre o caso ímpar dessa literatura, quer seja através da organização de antologias fortemente temáticas, onde os conteúdos inessenciais se sobrepõem à realização poética mais penetrante, quer seja através da publicação de ensaios que investigam estes objetos literários tão só como exemplos de uma afirmação identitária, cuja função básica consistiria em amplificar e dar nobreza documental aos anseios de uma coletividade ou segmento étnico. Em outras palavras, toda essa fortuna crítica aponta para a responsabilidade social do escritor; o compromisso histórico do poeta como porta-voz de questões situadas aquém ou além do âmbito mesmo da invenção verbal. E segundo estes intérpretes, almas quase renomadas, tal literatura, para fazer jus ao apodo negro, precisa dar mostras claras, incontestes da presença do Negro. Ou seja, o texto examinado (“a patient etherised upon a table”, T. S. Eliot) precisa responder afirmativamente e com provas cabais àquela pergunta da estudante estrangeira; deve sustentar o paradigma imaginado, promovê-lo à verdade irretocável, que possa ser reificada ao longo de um discurso-livro de, pelo menos, umas duzentas páginas e que, por um efeito dominó, faça escola e granjeie defensores argutos e/ou indignados. As provas de que há um negro entremeado ao texto, insuflando-lhe vida, são identificadas pela freqüência com que aparecem, por exemplo, além daquelas palavras já mencionadas acima, as de origem africana que adoçam e singularizam a fala do brasileiro, tais como: moleque, bunda, cachaça, empate, etc. Ou ainda, outra prova, por uma insistente reiteração de um nós negros, ideologicamente correto, indicando uma espécie de irredutível essência negra que cumpriria, principalmente ao criador e complementarmente ao exegeta, preservar a todo custo, como se tal essência fora um santuário repleto de ex-votos curiosos ou uma reserva natural ameaçada. Como conseqüência, temos a literatura feita pelos negros comodamente atada ao tronco da temática transitiva ou circulando livremente pela senzala de um estreito ismo.
            O grande dano deste traçado programático, delimitador e, de resto, extremamente eficaz para confinar esta prática poética dentro do universo dos estudos culturais e das literaturas de testemunho, é a exclusão sumária de outros textos/autores que apontam hoje – ou que apontaram no passado – para zonas limiares, imprecisas, abertas à sedução da impermanência dos significados, onde a inteligência em movimento costuma puxar o tapete à mediocridade conformadora; o esforço dos poetas/escritores que focalizam a sua atenção mais no como dizer e menos, bem menos, no que é urgente dizer talvez ao ouvido do pesadelo da História.
            Neste ponto duvidoso, de lusco-fusco, alguns setores do Movimento Negro, bem como muitos escritores, comungam por linhas tortas com os brancos solidários da academia. Ombro a ombro, também defendem aguerridos uma essência negra. No entanto, por um leve desvio de cunho moralizante, chamam-na consciência negra. Munidos de mais este padrão aferidor, partem igualmente para as suas exclusões sumárias. Machado de Assis e Cruz e Sousa, como observou agudamente em outra parte o poeta Luiz Silva (Cuti), são as vítimas exemplares, os traidores da essência, digo, da consciência. Não seria de todo inútil que os reticentes de ambas as partes, re-avaliassem com atenção redobrada o lado mais difícil e sugestivo da obra, tanto de Cruz e Sousa, quanto de Machado de Assis, o negro-negro e o negro-mulato (se fôssemos iniciar a conversa a partir do quesito cor de pele). A palavra-chave que me ocorre: aprofundamento. Mas como sei que os meus caros interlocutores não têm muito tempo para estas coisas, passo, de boa mente, a comentar dois momentos transnegressores destes homens não-alinhados: negros à flor de sua irredutível humanidade; o íntimo das coisas que constituem seu estado de alma, entranha-se na pele mesma do aparente. Entretanto, não pretendo com isso propor uma única via de acesso à fruição destes textos, pois como se sabe, em literatura, a multiplicidade de significados reina absoluta, mesmo contra a vontade de alguns leitores impacientes. Por isso me vali da expressão momentos transnegressores; um ponto de vista provisório, precário; uma maneira de ler. Mas, sempre levando em consideração o que é específico da linguagem poética. Isto é, aquelas qualidades estético-formais realizáveis e realizadas no texto criativo que logram ultrapassar os limites expressivos impostos eventualmente pelas boas e más idéias. Também não será excessivo frisar que o momento histórico-social vivido por estes afro-brasileiros invulgares não era de modo nenhum favorável ao aparecimento do intelecto e da criatividade verbal dos não-brancos. Fatos que tais consistiam franca transgressão às leis que regravam o darwinista fin-de-siècle 19, que começava a expirar nas brumas do seu spleen e a perder condição para se opor aos primeiros acordes do blues, anunciador do século 20.
            Comecemos, então, por resumir o conto “A Mulher Pálida”2, de Machado de Assis. Diz assim: Máximo, um rapaz de vinte anos e de família modesta, mora numa pensão de estudantes localizada na rua da Misericórdia. Por um capricho do destino recebe vultuosa herança de um padrinho que mal conhece. Entretanto, este golpe de sorte não lhe provoca maiores alegrias. Máximo é triste e amarelo. Machado confidencia ao leitor que o herói não padece do fígado. A tristeza de Máximo se explica por uma paixão secreta e não correspondida que atende pelo nome de Eulália. A moça não lhe dá a mínima esperança; suporta-o. Máximo investe; é poeta; supõe-se grande poeta. Nos saraus da sociedade recita seus versos endereçados à resistente Eulália. Desgraçadamente, Máximo não alcança, nem com estrofes indecorosamente românticas, nem com a súbita situação de rico homem, conquistar o coração de Eulália. Eulália é de um moreno pálido (ou doença, ou melancolia, ou pó-de-arroz, segundo o narrador). A palidez de Eulália rende a Máximo uns trinta versos. Seus esforços resultam impotentes. Máximo desiste de Eulália e, como forma de compensação ou reparação, sai em busca da mulher mais pálida do universo. A palidez total que o fizesse esquecer aquela palidez divina que só Eulália envergava. Grande cópia de noivas pretendentes ao título de a mais pálida do universo começa a chover sobre o recente herdeiro. Máximo não se agrada de nenhuma. Uma após outra as vai descartando. Eram pouco pálidas. Finalmente, chega o dia em que sofre uma congestão pulmonar e morre. Um pouco antes de morrer, ultima verba, murmura: pálida... pálida... E abraçando-se à pálida morte, topa com a brancura máxima do universo. Palida mors.
            Podemos ler no conto machadiano uma virulenta crítica à recorrente reverência narcísica da tópica do branco no branco, emblematização da pureza que esbarra em si mesma, amplamente tematizada através de milhares de páginas da literatura ocidental de forte traçado eurocêntrico, mas que se arroga universalista. A falácia valorativa do universal suporta esta literatura sem tempo nem espaço que, segundo os seus defensores, teria a vantagem de falar, sem sombra de ruído, a todos os homens e mulheres. Uma pátina impermeável, pálida, progredindo por entre as ranhuras desta estatuária monumental em mármore lavrada. Entretanto, Machado de Assis organiza a sua prosa corrosiva por meio de recursos analógicos e finas dispersões anagramáticas, propondo mais perspicácia ao leitor fiel, porém ingênuo. O fanatismo em abismo, auto-flagelador, do nosso herói, encontra-se encapsulado, sedimentado em seu nome mesmo. Mas o qualificativo entranha-se nas dobras do seu caráter como um incômodo, pois Máximo sabe, de algum modo, que no fundo não é senão um “homem sem qualidades”. Máximo tenta aprender a não se tornar o que realmente é: seu antônimo, “o ponto mais baixo”. E por se sentir sempre no estrito limite menor de algo, persegue, em fim de contas, a mulher mais pálida do universo. Como se ela fora um axioma; uma sentença estético-doutrinal incrustada em seu destino menos como a explicação do que como a mitigação desses transes de néscio em que se vê enredado. A figura de Máximo também representa a poesia romântico-parnasiana que, como se sabe, era o ápice, o “máximo” da tecnologia poética aceita entre os cultivadores da época. Machado ironiza também, por conta dos títulos de alguns poemas que Máximo recita numa passagem do conto, a frivolidade kitsch dessa poesia maiúscula e pó-de-arroz: Suspiro ao Luar; Colo de Neve; o decassílabo “E a mais nítida pérola és tu”. Tudo gravitando em torno à semântica da brancura-palidez. Eulália rima, por assonância ou de forma toante, com pálida. E ainda, de lambuja, uma nota sibilina à ideologia do branqueamento, o caminho degenerativo para a obtenção de sucesso e respeito dentro da sociedade racista, metaforizada na chuva de noivas pretendentes e, no entanto, nunca suficientemente pálidas para o gosto ultra-refinado de Máximo. Por outro lado, se considerarmos o Rio de Janeiro do século 19, chamado por alguns a segunda África brasileira (a primeira seria Salvador), aduziremos daí outra razão pela qual foi impossível a Máximo topar na sua cidade a mulher mais pálida do universo. Com efeito, não foi possível achá-la tão só porque Máximo começava, como poderia supor o leitor, a enlouquecer, não; note-se, ademais, que mesmo a palidez de Eulália – em última análise, a aparente responsável pela perseguição obsedante de Máximo – é tisnada por uma “certa” morenice. Quanto ao desfecho memorável do conto, creio não ser necessário comentar coisa alguma: Pálida mors é fina piada. Ouvimos o riso eterno de uma caveira.
            Por sua vez, Cruz e Sousa, menos alusivo e mais baudelairiano em sua mise-en-scène de linguagem e tematizando, por assim dizer, questões próximas às que vimos no conto de Machado, mobiliza para a superfície do texto a metáfora da caveira. O gargalhar sacrílego e surdo da caveira multivalente, presente neste poema, diz o seguinte:


A Caveira

I
Olhos que foram olhos, dous buracos
Agora, fundos, no ondular da poeira...
Nem negros, nem azuis e nem opacos.
Caveira!

II
Nariz de linhas, correções audazes
De expressão aquilina e feiticeira,
Onde os olfatos virginais, falazes?!
Caveira! Caveira!!

III
Boca de dentes límpidos e finos,
De curva leve, original, ligeira,
Que é feito dos teus risos cristalinos?!
Caveira! Caveira!! Caveira!!!


            O que chama a minha atenção neste poema, para além do escárnio contra um certo tipo de beleza que nos é imposta cotidianamente (olhos azuis, nariz de linhas...), mas que se mostra inútil frente à realidade da morte; para além da “consciência de formas de Cruz e Sousa” ressaltada por Paulo Leminski ao sublinhar “os pontos de exclamações repetidos simetricamente, marcando o número da estrofe, I, !, II, !, !!, III, !, !!, !!!”3, enfim, para além de todo este artesanato grosso-fino, barroco-simbolista, o que chama a atenção no poema é o crescendo do vocábulo caveira; a consciência da morte avançando totalmente, a consciência da morte em vida: morrendo e aprendendo. A morte completando o quebra-cabeça. Hoje isto nos soa estranho, pois, segundo Jean d’Ormesson “atualmente só vemos os mortos pela televisão. A sociedade elimina a morte. No passado as pessoas morriam em suas casas e hoje a gente morre no hospital. A morte não é mais familiar, como então”4. Cruz e Sousa, o negro puro-sangue que nos deixou a beleza sem fim de sua poesia faraônica (pelo agressivo rebuscamento), arquitetura feita com pedregulhos impossíveis, incomuns, ainda agora nos prega mais esta partida: critica-nos por vivermos como se fôssemos eternos, desatentos à noção de que a cada instante engendramos dentro de nós mesmos uma caveira. E ri por último.
           Dir-se-ia, ainda, que a arte de Cruz e Sousa se desenha a partir da interdição do seu corpo negro. Pode ser. Encarnação. O descarnado da arte - seus artifícios - se incorpora à própria vida.  O poeta negro conspira no limite entre vida e arte. Há som, sombra, luz e fúria na poesia deste homem da ilha do Desterro. Assim, malgrado a condição emparedada em que o mundo insistia em confiná-lo - ou mesmo, graças a ela -, Cruz e Sousa produziu sua poesia dissoluta, provocante, cuja pulsão libertária sugere-nos que é “escrita em sonho” e escrava da “embriaguez do ritmo, da sonoridade, da música das palavras”. O efêmero da poesia, seu fracasso, seus “sons intraduzíveis”.
          A visão embriagada, satânica e dúplice de Cruz e Sousa não deriva apenas, como supõem alguns críticos mais apressados, de uma mente atormentada ou recalcada, que não soube como construir meios mais objetivos de autodefesa às obscurantistas regras sociais que, à época, se destinavam ao abafamento da vontade dos não-brancos. Um ponto de partida interessante para se alcançar uma outra forma de fruição da poesia de Cruz e Sousa, é o que acentua o inusitado dessa poesia como a prática intransigente de uma estética concebida como estranhamento. Uma poética descentrada que pressupõe uma total ruptura com as mais variadas formas de determinismos, sejam eles históricos, geográficos, étnicos, etc. A obra de Cruz e Sousa é um milagre anti-naturalista. Sua poesia torce o pescoço à voz de comando, toda-poderosa, do meio.
         Segundo a historiografia literária, com Missal e Broquéis, ambos de 1893, Cruz e Sousa inaugura o movimento simbolismo brasileiro. Mas, Cruz e Sousa, assim como Baudelaire, não é um simbolista em sentido estrito. Há uma revolta na dicção poética de Cruz e Sousa que, em alguns momentos contradiz aquela maciez roçagante, do tipo mallarmeana, por meio da qual tão bem se manifesta o ideal estético da sugestão simbolista. No soneto “Escravocratas”, percebe-se à maravilha este outro simbolismo do poeta negro:

Oh! trânsfugas do bem que sob o manto régio
Manhosos, agachados - bem como um crocodilo,
Viveis sensualmente à luz dum privilégio
Na pose bestial dum cágado tranqüilo.

Eu rio-me de vós e cravo-vos as setas
Ardentes do olhar - formando uma vergasta
Dos raios mil do sol, das iras dos poetas,
E vibro-vos à espinha - enquanto o grande basta

(...) 

Eu quero em rude verso altivo adamastórico
Vermelho, colossal, d’estrépito, gongórico,
Castrar-vos como um touro - ouvindo-vos urrar!

          Apesar disso, ainda é recorrente a disposição algo maledicente de apresentá-lo como o negro-branco, no sentido de traidor de sua “essência”, talvez negra. A sustentar esta idéia, estão as famosas formas alvas, vaporosas, etc., surgindo feito imensos icebergs no tecido poético engendrado por Cruz e Sousa, e que evidenciariam um complexo, um problema, um sintoma. Com efeito, a “brancura” com os seus múltiplos e contraditórios sentidos - morte, vazio, esquecimento, pureza, luz, etc. - está presente na poesia de Cruz e Sousa, mas da mesma forma podemos percebê-la na de outros grandes do simbolismo, tal como em Rimbaud, Mallarmé e Verlaine. No entanto, como já nos referimos antes, um outro modo de síntese permeia o simbolismo do poeta negro. À diferença dos simbolistas branco-europeus, perplexos em face da folha de papel defendida por sua brancura mesma, atormentados na busca de um sentido mais puro para as palavras, Cruz e Sousa opta por não se dobrar ao tédio estéril do flâneur devotado à miragem da poesia pura. Enquanto, por exemplo, Mallarmé diz que fuma apenas para lançar um pouco de fumaça entre ele e o mundo, Cruz e Sousa esmurra uma parede tremenda de preconceitos erguida justamente para mantê-lo à margem deste mesmo mundo que o poeta francês sonha ver dissolvido em brumas; enquanto Rimbaud renuncia à poesia e parte para a África aonde vai dedicar-se ao tráfico de escravos, Cruz e Sousa escreve em apoio ao abolicionismo, arremessa pedradas verbais contra os escravocratas e leva a cabo o longo poema em prosa “Emparedado” de Evocações (1898), que tematiza, entre outras coisas, por meio de um horror irônico, as cogitações nervosas e autocríticas de um criador de exceção olhando desafiadoramente na cara da estupidez humana. Enfim, Cruz e Sousa não incorpora à sua linguagem uma atitude inteiramente refratária à realidade que o cerca. Com Cruz e Sousa, a poesia eventualmente branca - quer seja simbolista ou não - torna-se também negra. O simbolismo dos historiadores literários precisou adaptar-se a Cruz e Sousa e não o contrário.
            Espero que as amostras e os comentários acima contribuam no sentido de evidenciar o quanto Machado de Assis e Cruz e Sousa são necessários e seminais para os rumos da literatura negra contemporânea que é, ao fim e ao cabo, uma outra forma através da qual se manifesta este prodigioso fabulário lingüístico que a espécie humana vem produzindo desde tempos remotos com o único objetivo de fazer com que sua aventura sobre a terra não passe em branco. Resta lamentar, por outro lado, que a exclusão de autores tão poderosos cria um sério problema para os que lutam pela construção de um novo repertório e de uma poética transnegressora adequadas a uma época como a nossa, cuja intersecção, o trânsito entre as diversas (antes divergentes) formas de linguagem cresce velozmente. Deste modo, posições preservacionistas, apoiadas numa estereotipada e resolvida essência negra, acabam por legitimar apenas os textos inteligíveis dos escritores negros tributários de uma representação sentimentalista ou naturalista da realidade. Os recicladores daquela caca velhusca: a literatura participante de corte pseudoproletário.
            Falemos a partir de agora a respeito das exceções menos distantes no tempo. Proponho uma pequena lista de autores provocativos e não-facilitadores que, a meu ver, no momento experimentam uma poesia negra que se quer em movimento e, portanto, menos aferrada aos padrões definitórios problematizados anteriormente. Dentro desta perspectiva, são, cada qual a seu modo, cabeças-de-chave de certo poetariado: o paulista Luiz Silva (Cuti), o gaúcho Oliveira Silveira e o paraibano, radicado em São Paulo, Arnaldo Xavier, de quem emprestei o título do presente ensaio e sobre o qual me deterei particularmente mais adiante, justamente por considerá-lo um divisor de águas dentro do fluxo inventivo da literatura negra que aqui nos interessa.
            CUTI (1951) publicou: Poemas da Carapinha, São Paulo, 1978; Batuque de Tocais, São Paulo, 1982; Flash Crioulo, Sobre o Sangue e o Sonho, Belo Horizonte, 1987; Negros em Contos, Belo Horizonte, 1996, entre outros. Cuti, escritor de enormes recursos, autor de short stories, dramaturgo e poeta sempre sintonizado com o que há de mais atual nos domínios da literatura mundial. Sua poesia transita entre um tom discursivo preciso e a montagem sintético-imagética de elementos contrastantes. Em seus melhores momentos, a dosagem exata destes insumos engendra imagens ásperas, bruscos curtos-circuitos na mente do leitor; uma singular fanopéia resultante de árdua depuração da metáfora surrealista que, provavelmente, Cuti assimilou do seu convívio não reverente com a poesia da Negritude, enfeixada em livro na França da década de 1940. Cuti é um poeta que sabe tirar o máximo de proveito das sutilezas da tecnologia versificatória, embora à primeira vista isso não pareça tão evidente. Seus poemas, sempre atentos aos lapsos da língua e às falácias do discurso trapaceiro, dialogam intertextualmente com outra excelente poeta, que não pode deixar de ser mencionada, refiro-me, aqui, à sinuosa Geni Mariano Guimarães.
            OLIVEIRA SILVEIRA (1941) publicou: Banzo, Saudade Negra, Porto Alegre, 1970; Pêlo Escuro, Porto Alegre, 1977; Roteiro dos Tantãs, Porto Alegre, 1981, Anotações à Margem, Porto Alegre, 1994, entre outros. Oliveira Silveira despreza a complexidade do “literário” convencido e convencional em benefício de outra espécie de complexidade, a saber, ele credita suas forças numa secura antes espartana do que cabralina. Oliveira é capaz de uma contensão e de uma elegância que só me permito associá-las à sempiterna e serpentina vanguarda da velha-guarda de todos os sambas. A gestalt severa e exata da poesia de Oliveira, sua brevidade grave e algo epigramática - considerada se quisermos a partir da perspectiva que reconhece esta vertente negra na literatura brasileira -, é emblema de ceticismo tanto em relação à ética do homem branco, quanto ao viés estético referendado pelo meio literário, representação especular, mas com suas particularidades, dos conflitos étnicos e sociais presentes sob o arco ideológico. A poesia de Oliveira Silveira se nutre de uma salutar desconfiança a propósito do poder de comunicação da metáfora. Silveira parece se dar conta de que a naturalização da metáfora, sua precedência, por assim dizer, sobre outros elementos da função poética da linguagem, encobre um barateamento expressivo mesclado a uma afetação kitsch que está a serviço da mundanização da figura do poeta e de sua inserção filistina nos quadros de um sistema literário cada vez mais chapa-branca. Felizmente, imbricada em sua poesia elegante há a dose essencial de antipoesia. 
           Os poemas de Oliveira Silveira continuam, portanto, críticos e, a cada dia que passa menos alambicados. Um desaforo calmo aos medianeiros da metaforização indecorosa. Os versos de sua linguagem produzem uma estranha delicadeza que vela maliciosamente o cacto “áspero, intratável e forte”. Oliveira, o homem que inventou o 20 de Novembro. Tradutor de Aimè Cèsaire e Langston Hughes. Poeta que se atreveu a exercitar, hoje, o que nos restou do eco épico (Souzalopes dixit) sem cair em erro. Silveira, um dos poucos poetas que se banhou na líquida algaravia das línguas africanas. E mesmo não se dedicando por inteiro a uma franca experimentação poética, Oliveira, em alguns dos seus livros, tem contribuído com inteligentes exemplos de poemas que se fragmentam até a unidade mínima da palavra, isto é, a letra. Em tais poemas, suspensa na página branca, a letra quase deixa de ser letra ao “contornar”, digamos assim, desenhos metonímicos de atabaques, gaiola, banjo: em suma, todo um arranjo não-convencional, concorrendo para subverter a linearidade discursiva. Não tenho receio de afirmar que estes poemas ampliam consideravelmente as possibilidades de leitura da obra de Oliveira Silveira.
            ARNALDO XAVIER (1948-2004) publicou Cara a Cara, São Paulo, 1977; Roza da Recvsa, São Paulo, 1978; Manual de Sobrevivência do Negro no Brasil (com o cartunista Maurício Pestana), São Paulo, 1993; LudLud, São Paulo, 1997, entre outros. Linguagem de intransigente experimentação, uma poesia inovadora como a praticada por Arnaldo Xavier, cujos lances mais decisivos são jogados na zona das fraturas e transações intra e intersemióticas, pode ser examinada não só no que se refere à estranheza da fissura aberta por ela em partes ou no todo de determinado sistema literário. Vale dizer, dentro de um traçado de rupturas inaugurado pelo alto modernismo e que, desde então, parece ter se constituído no cânone da mentalidade contemporânea, como podemos aquilatar o que Arnaldo Xavier injeta de novo em tal corrente sangüínea? Temos aí, um ponto. Por outro lado, este exame nos permite compreender também um pouco do caráter e das imposturas desse sistema mesmo que, desde sua condição normativa e dogmática, manteve ou mantém, com relação às transnegressões de Arnaldo, uma atitude, no mínimo, defensiva ou superciliosa.  Não obstante, seu nome tem aparecido em algumas antologias nacionais e internacionais dedicadas à poesia negra ou à poesia de vanguarda. O fato é que sua linguagem, já francamente experimental desde os primeiros anos da década de 1970, pressupõe o poema como uma fatura sígnica cuja existência não pode se justificar apenas para servir às necessidades de certas interpretações, por mais bem intencionadas que elas sejam.
        A impressão de “pura curiosidade” e de fracasso comunicativo que, por exemplo, Roza da Recvsa, um dos seus primeiros livros, desperta em Oswaldo de Camargo, - o crítico e entusiasta, par excellence, de uma literatura negra, competente, embora convencional, inserida no panorama antológico das letras brasileiras -, resume algo sobre o tipo de recepção que acabou prevalecendo entre os detratores de Arnaldo Xavier. A obra de Arnaldo Xavier, pela simples diferença em relação à produção dos seus pares, não disfarça a sua intenção metalingüística e crítica; e o mínimo que se poderia dizer sobre suas passagens, seus percursos e suas encruzas textuais, é que Arnaldo jamais repisou o terreno castroalvino e condoreiro que tem feito fortuna entre poetas mais anacrônicos e para-socialistas. O porão do navio negreiro instiga ainda a imaginação de artistas brancos e negros subinformados. Resultado: sua poesia tem sido sutilmente apartada do conhecimento mais amplo ou, melhor, o que se dá a conhecer dela, são aquelas peças que o senso comum talvez considere menos ousadas, menos ofensivas aos modelos consagrados do poeticamente correto. Mas, os exemplos de ruptura que definem seu imaginário poético minam os fundamentos do conservadorismo mensageiro. Arnaldo Xavier, pelo que se vê – literalmente – em seus poemas, se converte no poeta negro mais consciente acerca da natureza das relações entre a poesia e a política. Seus poemas parecem dizer que “a poesia deve mostrar-se incorruptível frente a qualquer poder político” e, mais, “em poesia não há circunstâncias atenuantes; a poesia que se ‘vende’, seja por vileza ou por imperícia, está condenada à morte, sem indulto possível”5. O compósito verbal transnegressão, cunhado por ele, tenta dar conta - através da justaposição dos vocábulos (transgressão + negro), ao estilo da montagem cinematográfica - de uma proposta estética interessada em lesar tanto as idéias feitas que orientam nossas filosofias de vida, quanto à imagem de um cânone totalizante, “universal”, vantajoso (para quem?) a ponto de poder ser aplicado em qualquer tempo-espaço. Arnaldo põe em causa tal fantasia imperial que não satisfaz mais a nossa errância bárbara e não-identitária, meio e fim de uma tecnologia intersemiótica e de mestiçagem cultural. Somos, a um tempo, revestidos de iconofilia e iconoclastia. Por isso, num poema de LudLud, o poeta propõe este verso paronomástico: “NegRo engole Grego”. E graças a Arnaldo, o “To be or not to be” do poeta e dramaturgo inglês - que por sua vez já foi antropofagicamente vertido por Oswald de Andrade em termos de “Tupi or not tupi” -, ganhou a seguinte tridução: “Ori or not ori”.
           Um pouco tresloucadamente, gosto de interpretar o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, como uma obra transnegressora avant-la-lettre. Com este livro vincado por ironias borgeanas, Machado inventa a melhor e mais radical prosa de vanguarda produzida no Brasil do Oitocentos. Deste modo, o reivindico como um precursor da poesia transnegressora de Arnaldo Xavier. Machado salta sem escalas da prosa dita realista para a visualidade caligráfica e o espacialismo tipográfico, se antecipando, assim, aos experimentos do Mallarmé do poema constelar Un Coup de Dés. Vejo Arnaldo como o herdeiro mais desabusadamente aplicado e inventivo do legado desse Machado de Assis, por assim dizer, pansemiótico. Observemos, após uma sondagem remissiva ao capítulo LV “O velho diálogo de Adão e Eva” das Memórias Póstumas, este poema não-verbal de Arnaldo Xavier publicado na antologia Schwarze Poesie6.




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      A rigor, não há o que dizer - há muito que ver. De qualquer maneira, arriscarei algumas indicações secundárias: notar a elipse visual de uma Igreja colaboracionista; o estado colonial cuidava do corpo do negro escravo enquanto a Igreja tratava de iluminar-lhe a alma escura. O poema dispensa o trabalho de tradutor; poema numérico-visual, translingüístico. Os oito vibram na página como se a cruz estivesse em chamas. O caligrama é formado por trinta e três repetições do número 1888; e o leitor está ciente de que trinta e três não é um símbolo numérico desprezível.
         Para encerrar, outra “homenagem” de Arnaldo Xavier ao centenário da Lei Áurea:





            Nesta peça, a visualidade volta-se mais agressiva. A flutuação do criptograma no espaço branco da página lhe confere uma sintaxe não-gramatical. A inteligência sintético-ideogrâmica de Arnaldo Xavier faz com que o grafológico se projete sobre o fonológico. O poema exige do leitor maior simpatia ocular. O desenho metonimizado da idéia se apresenta sem notas de rodapé; cada vez menos verbal; o verbal-numérico vai se transformando em figura, esboço icônico. Arnaldo, antípoda do “poeta tipográfico” e, segundo Antônio Risério, inventor do “orikai” (oriki + haikai), quer dizer-mostrar que a poesia visual se materializa por meio de uma indecisão constante, pendular, entre símbolo e ícone. Cabe ao leitor-observador escolher, se assim o quiser, por qual das duas pontas desatar o nó da meada.
            Num texto intitulado “Dha Lamba à Qvizila – A Bvsca Dhe Hvma Expressão Literária Negra”7, Arnaldo Xavier faz a seguinte constatação, “A multiconografia Negra, responsável pela mudança de rota da pintura moderna com correspondentes repercussões na literatura, no teatro e no cinema, não tem ressoado nos textos negros”. Pois bem, o que releva notar aqui, colocando em perspectiva as implicações contidas nesta citação, é que, felizmente, Arnaldo Xavier não se contentou em nos oferecer este preciso diagnóstico e após isso esperar por nossas providências. Com efeito, Arnaldo, mesmo tendo a exata medida dos riscos - desagravos - que haveria de correr, se encarregou de levar adiante seu projeto transnegressor, sem fazer concessões a seguidores ou opositores.


POST SCRIPTUM


        À época da redação da versão original de “Transnegressão” (1995), eu ainda não tinha pleno conhecimento da poesia de Edimilson de Almeida Pereira e de Ricardo Aleixo. Felizmente, hoje, já não mais acumulo esse déficit poético-informacional. As relações são mais estreitas e me sinto honrado de tê-los como interlocutores.
         Por outro lado, o contato com a poesia de ambos foi tão estimulante para o meu exercício de metalinguagem, que, sempre que sou solicitado a refletir mais uma vez sobre a literatura negra, não consigo deixar de pensar em seus nomes. Não porque talvez eles representassem os mais novos criadores do viés transnegressor e, portanto, reuniriam, digamos assim, as melhores condições para renovar a vertente negra da literatura brasileira; não. O que importa para mim, nos últimos tempos, é que quando me vejo diante dos poemas de um e de outro, percebo outras implicações criativas. E sem prejuízo das singularidades que marcam cada qual dos poetas, um ponto os une: eles validam a idéia de que cada poema instaura o seu próprio dicionário, bem como a sua própria gramática que tem mais de anômala do que daquela “verdadeira ars obligatoria” referida por Roman Jakobson, fazendo menção à maneira como os escolásticos a chamavam. A poética dos mineiros - e não por acaso fizeram em parceria o livro A roda do mundo (1996) -, parece dizer que o poema de chegada, este que se acha sob os olhos do leitor ou, ainda, o poema fugidio do qual o leitor se ocupa a cada derradeira leitura, se transmuta numa conotação que é inextrincável ao desejo de linguagem desse mesmo leitor.
         O poema não diz nada antes de o leitor bolinar suas letras e palavras. Não diz se vem para escurecer ou esclarecer algo. Mas, em se tratando das linguagens de Edimilson e Ricardo, se por (des)ventura o poema vier para oferecer não importa que tipo de escurecimento, ele será apenas a representação especular de uma possibilidade desse ser negro que, tal qual o real ou o humano da “humanimaldade”, é uma obra indecidível e em constante acabar-começar.
         Poemas como “Brancos” ou o oriki não-ortodoxo “Nanã”, ambos de Ricardo Aleixo e o poema-livro “Ô Lapassi & outros ritmos de ouvido”, de Edimilson de Almeida Pereira, fazem vacilar alecremente e de uma vez por todas os “receituários” de estilística negra engendrados renitentemente por copistas velhacos apreciadores de arte negra-naïf ainda agregados à Casa Grande.


Notas
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1 Ensaio publicado originalmente em Presença Negra no Rio Grande do Sul, Fernando Seffner (org.), Porto Alegre: UE/ Porto Alegre, Cadernos Porto & Vírgula, n0 11, 1995. Para a presente edição, por sugestão de Edimilson de Almeida Pereira, foram feitas algumas alterações.
2 ASSIS, Machado de. Contos Selecionados. Rio de Janeiro, Sedagra, 1962.
3 LEMINSK, Paulo. Cruz e Sousa (Col. Encanto Radical) São Paulo, Brasiliense, 1983.
4 d’ORMESSON, Jean. Entrevista publicada no caderno MAIS! Folha de São Paulo, 26 de março de 1995.
ENZENSBERGER, Hans Magnus. Detalles. Barcelona, Anagrama, 1961.
6 Schwarze Poesie – Poesia Negra, Moema Parente Augel (org.) e Johannes Augel (trad.), St. Gallen/Köln, Edition Diá, 1988.
7 Criação Crioula, Nu Elefante Branco. São Paulo, IMESP, 1987. (Ensaios do I Encontro de Poetas e Ficcionistas Negros Brasileiros, São Paulo, 1985).
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