Em termos das transações culturais o estranho é
fundamental para a dinâmica das tradições. A identidade cultural se nutre do
outro. Ela é antes antropofágica do que autofágica. Ela se renova no contato
com o estranho. Pureza cultural é fascismo. Exterminar o estranho é uma forma
de suicídio.
Oswald de Andrade e a Antropofagia em sentido ritual
e metafórico, i. é, como analogia aos processos de cruzamentos culturais. A
razão antropofágica, segundo Oswald, pensa a identidade e o verismo nacionais
em diálogo com os insumos “inimigos”, mas na perspectiva da invenção de algo
original. O que importa é a margem de liberdade com que trabalha o canibal
cultural na assimilação e na reacomodação dos dados do outro ou da herança
universal devorados amorosamente, fraternalmente.
O foco de interesse para uma escrita que se pretende
poética (em sentido Aristotélico), literária, deve ser a noção de estranhamento; estranhamento de linguagem. A particular comunicação poética pressupõe certa dose de
intraduzibilidade. Segundo o crítico português Abel Barros Baptista, os grandes
textos “são aqueles que nos tornam estrangeiros”. Em outras palavras,
numa primeira
aproximação o texto artístico (sim, estamos falando de arte) se apresenta como
que vertido em uma língua estranha, mas ao mesmo tempo remotamente familiar.
Nos tornamos estrangeiros, outros, diante dos grandes textos. Mas isso
tem a ver com a função estética da linguagem que nos convida a extrair do
objeto verbal, sobre o qual nos inclinamos longamente, aspectos relativos à
fruição, ao fruível, e não ao útil. A função estética torna a linguagem
intrinsecamente ambígua e, em função disso, tanto emissor (autor), quanto
receptor (leitor) também se tornam ambíguos. O autor não é mais aquele, o
leitor não é mais aquele, porque o texto (a cada nova investida) não é mais
aquele.
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