a poesia não é salvação de nada, primeiro porque não é feita
por santos, mas por homens e mulheres precários; só quem acreditava nisso era o leminski e os
que, ultimamente, vêm escrevendo sua hagiografia; por outro lado se admitirmos
que ela é salvação, ela só o será à revelia do que diz, por exemplo, guimarães
rosa, isto é, à revelia de que o que de fato existe é tão-só "homem
humano", essa coisa limitada e frágil, espremida entre os sentidos e a
técnica; e não vejo como a poesia pode ser algo fora da figura do humano e suas
contradições; acho que ligar a poesia ao tópico da salvação significa encarecer
apenas uma das possibilidades de relacionamento com ela e as demais formas de
arte; a poesia será salvação (placebo) para quem, em função do desejo ou do desespero,
a quiser como salvação. eu também já depositei confiança nessa crença de que a
poesia tornaria a vida suportável ou tolerável, mas, se olharmos de perto,
vamos verificar que podemos nos servir de qualquer coisa para fazer da vida
algo tolerável, essa propriedade é subsidiária e cambiável, portanto, não é
essencial à poesia; e, ao mesmo tempo, concordo com o antonioni: "não
fossem os prazeres (a arte é um deles) a vida seria suportável"; alguém
disse que a poesia (concordando com a noção salvacionista) é
"diferenciada", que tem um "diferencial" (espécie de
singularidade messiânica?), mas isso é chover no molhado, tudo é diferente ou
semelhante em relação a algo, trata-se de uma propriedade relacional; outra
coisa, as propriedades que às vezes são listadas como sendo características
definidoras da poesia, ou seja, “o salto por
sobre a incompletude”, “a busca pelo absoluto”, “o escape da literalidade e do
prosaico mais rebaixado”, enfim, esses traços aparentemente específicos são
vagos e cabem na área de significado que qualquer fazer artístico; a linguagem não é “apenas” meio, como se diz, ela é plástica
como o próprio pensamento e é através dela que nossas mitologias ou romantismos
se materializam, não tem outra maneira, isso vai, cedo ou tarde, se constituir
numa forma; quanto a essa coisa do conteúdo, eu fico com a lembrança do poeta
ricardo portugal: “o conteúdo é uma função da forma”; quem disse que o conteúdo
precisa ser salvo? essa ideia parece
supor que o conteúdo seria exterior ao poema; por essas e outras razões fico
com básico e dou de bandeja: poesia é um fazer, o poeta faz o que? faz linguagem (pignatari dixit); o resto, não é só passar o tempo, não; o resto é com o
leitor.
Irene preta, Irene boa. Irene sempre de bom humor. Quem quer ver Irene rir o riso eterno de sua caveira? Parece que só mesmo no espaço sacrossanto da morte, onde deparamos a vida eterna, está permitido ao negro não pedir licença para fazer o que quer que seja. Não se pode afirmar, mas talvez Manuel Bandeira tenha tentado um desfecho ambíguo para o seu poema: essa anedota malandramente lírica oscila entre “humor negro” e humor de branco, o que, afinal de contas, representa a mesma coisa. No além-túmulo – e só mesmo aí –, não nos será cobrado mais nada. Promessa de tolerância ad eternum , e sem margens, feita por um santo branco, esse constante leão de chácara do mais alto que lança a derradeira ou a inaugural luz de entendimento sobre a testa da provecta mucama. Menos alforriada que purificada pela morte, Irene está livre de sua “vida de negro”, mas, desgraçadamente, só ela dá mostras de não ter assimilado isso ainda; quando a esmola é demais o cristão fica ressabiado. Na passagem dest
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