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Mostrando postagens de 2015

sobre os chato-boys

A afirmação segundo a qual a literatura se esgotou ou se resolve, hoje, nessa trama de reconhecimentos recíprocos do facebook, me parece uma generalização indevida; trata-se de afirmação recorrente (o genérico da aposta em um quadro de falência de algo) que agora dá as caras mais uma vez e, como de hábito, costumizada aqui e ali. Mas a literatura é coisa muito mais complexa. Sou da opinião, inclusive, de que ela não se confunde nem com o mercado editorial, nem com as redes sociais. Podemos estabelecer relações entre essas realidades, podemos até mesmo sucumbir circunstancialmente diante de certo estado de coisas, mas tanto o mercado, como o facebook, são segundos em relação à literatura. Isto é, devem ou deveriam ser coadjuvantes no processo. Na década de 1950 os poetas concretos (ou ao menos três deles) deram por encerrado “o ciclo histórico do verso”. Recentemente alguém decretou o fim da história. Alguns artistas e/ou fast thinkers têm essa mania de tentar projetar seus própr

portogalogramas de A face de muitos rostos

Ronald Augusto [1] Onde Ricardo Portugal, afivelando algumas personae sobre o próprio rosto, diz sempre bem, mesmo quando maldiz, e doa a quem doer. Assim eu sintetizaria A face de muitos rostos caso o leitor me solicitasse tal obséquio. Com efeito, através dessas máscaras ouvimos soar virtualmente, por exemplo, a dicção de um chinês que conhece além do tolerável a melopeia das cantigas d’amigo e da chanson provençal; o murmurar de um intelectual que concede que o Brasil até pode se dizer pós-colonial, porém, que ainda está longe de ser uma sociedade pós-racial; o resmungo de um russo apreciador do fine excess da cachaça; a elegia de um gaúcho ulisseida que quanto mais se aproxima de sua grande pequena capital mais se afasta dela. A face de muitos rostos , uma poética cambiante e multicultural. O périplo crítico sobre uma carta geográfica pessoal. Mas o poeta, graças a uma consciência luciferina, também se vê implicado na arenga com que desfaz as contrafaç

selfiepoesia - ronald augusto

Ogum’s toques negros: o direito à invenção

Ronald [1] Há mais de trinta anos – pouco mais, pouco menos – antologias de escritores negros brasileiros vêm sendo organizadas e publicadas. Muitas dessas obras também foram ou são editadas no exterior, umas financiadas por universidades, outras por casas editoriais atentas ao mercado. Grosso modo, a literatura negra de exportação tem despertado o interesse de leitores dos Estados Unidos e da Alemanha. A atenção para essa produção vinda da parte de pesquisadores, acadêmicos e leitores obstinados, seja da área dos estudos culturais, seja da área da literatura propriamente dita, renova o apetite inventivo dos escritores já conhecidos e dos que se encontram ainda em seus primeiros movimentos. De outra parte, é notável como essas recorrentes coletâneas, dependendo do parti pris de leitura do organizador, servem tanto à manutenção e à consagração de nomes e questões relativas ao assunto, como fornecem novas perspectivas interpretativas a propósito das forças envolvidas. Desde

A indústria do vanguardismo pós-tudo

[joan brossa e um de seus poemas visuais] Cada vez mais me parece interessante experimentar uma suspeita reflexiva com relação a uma ideia que, aqui e acolá, insiste em aparecer em alguns textos ou comentários críticos. Trata-se da ideia que estabelece similitudes entre vanguarda e progresso. Um vício diacrônico, além de messiânico, serve de nutrimento a uma noção de vanguarda enquanto conquista de territórios, acúmulo de feitos num ensaio de totalizações. Movimento que visa a uma etapa final ou a um éden. Vanguarda que se apresenta como ponto de otimização da história. Devir utópico calcado sobre linearidade progressiva, causal. Um dogma: a vanguarda não corre o risco de infectar-se com o vírus do retrocesso. Talvez no âmbito da estratégia dos exercícios de guerra, ou mesmo na arena da politicagem estético-literária, tudo isso ainda faça algum sentido, pois aperfeiçoamento pressupõe a aceitação de exclusões e obsolescências cujo questionamento — a bem de um “mundo tr

Nem, nem

[ nem raro nem claro , ed. butecanis, 2015] [ mnemetrônomo , ed. butecanis, 2014] Por Ricardo Silvestrin  [texto publicado originalmente em: http://www.musarara.com.br/nem-nem] Depois de Empresto do Visitante (Patuá, 2013), livro em que cintilam poemas-instante, clics da paisagem que ombreiam em beleza com o que retratam, Ronald Augusto lançou dois volumes pela editora Butecanis: Mnemetrônomo (2014) e nem raro nem claro (2015). No primeiro, o poeta enfrenta, não sem revelar o esforço que a tarefa demandou, a construção de poemas metrificados: . dizer em sáficos esses dez lustros com que deslustrei minha juventude não é de amargar mas me sai a custo (…) . Mas não pensem que a forma clássica amansou o discurso enviezado que costuma estar presente na poesia de Ronald. A seleção de palavras com pontas, que se atritam entre si no poema, continua presente: ao peso se dobra . por seu modo insurrecto e sem molhar palavra ria menos viril que

a pregação sem medida de Nuno Ramos

Sermões , a pregação sem medida de Nuno Ramos Ronald Augusto [1] No que diz respeito aos processos construtivo e formal, no sentido de uma determinação compositiva, Sermões parece não ter um desígnio preciso. Tudo vai ao modo do acaso, como se o autor levasse um encontrão fortuito e desse episódio surgisse sua pregação sem medida. A forma é insignificante e meramente contingente, isto é, poderia ser diferente, o impulso poderia vir de qualquer lado. Ainda que pareça uma ideia fora do lugar – e para provar o contrário julgo ser oportuno apelar ao domínio das artes visuais de onde vem Nuno Ramos –, eu diria que sua poesia é uma tentativa não muito bem sucedida de transposição do informalismo pictórico [2] para o campo da criação verbal. Com efeito, em Sermões há uma série de indícios que se ligam a princípios do movimento do informalismo na pintura, por exemplo, a aposta no uso imprevisto das matérias que resulta no apetite pela mancha e pelo errático; a aleatoriedade