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Os interstícios da linguagem nas poéticas de Ronald Augusto e Sangare Okapi


por Ricardo Riso[1]

A poesia des(a)fia a linguagem. O poeta, seguindo a origem grega da palavra, é aquele que faz. O poeta cria e recria a linguagem. Diante disso, temos representações poéticas dissonantes que não se enquadram em determinadas tendências, escolas e sentidos assinalados por uma crítica acadêmica que, muitas vezes, se posiciona na dianteira dos poetas e suas obras.
Nessa perspectiva, deparamo-nos com certas amarras na literatura brasileira e nas literaturas africanas de língua portuguesa baseadas em questões que fogem da simples análise do texto literário, mas que envolvem aspectos identitários, étnico-raciais, de classe, de gênero, entre outras categorias que contribuem para um caráter homogêneo dessas literaturas constituídas em cânones, por conseguinte, relacionadas a ideias identitárias que representam seus países.
Trazer para o centro do debate a questão racial aguça a percepção para restrições do campo da literatura comparada, colabora para o tensionamento da(s) diferença(s) que interroga(m) o(s) cânone(s) (PADILHA, 2002) dessas literaturas. Embora a literatura comparada, apoiada aos Estudos Culturais, pregue a transversalidade, o comparatismo plural e descentrado abrindo espaços para tipos de expressão estético-literárias até então excluídos, questionando a supervalorização de um sistema baseado na Europa, priorizando a emergência das questões de identidade cultural e nacional, deslocando-se para grupos minoritários e assumindo a exigência de revisão dos cânones literários e da história literária (COUTINHO; CARVALHAL, 2011), ainda que represente um avanço nos estudos comparados brasileiros, identificamos, com pesar, a ausência da questão racial e de diálogo entre negras e negros africanos e brasileiros, uma vez que há predomínio do modernismo brasileiro nos estudos comparados com as literaturas africanas, com o agravante que estas dominadas por um cânone luso-descendente[2]. Recorte também questionado pela asfixia que anula o mútuo conhecimento analítico de pesquisadores negros africanos e brasileiros quando passamos para o campo da crítica, a partir da autoria negra africana e brasileira (AUGEL, 2013). Em razão disso, tendo como foco os estudos realizados no Brasil, percebemos um problema de representação compatível às desigualdades sociorraciais em nosso país.
Diante do exposto, partimos para os estudos encruzilhados (SANTOS, 2013) como forma de contraposição às insuficiências da Literatura Comparada e, assim, trazer um diálogo entre poetas negros do Brasil e de Moçambique, como assinala o crítico literário José Henrique de Freitas Santos:

[o]s estudos encruzilhados (estudos comparados negros que se perfazem no conflito, tomando a incoerência, o paradoxo, a tensão como força motriz) apontam como potência para uma arqueo-genealogia do saber na literatura ainda a ser explorada (...) [de] escritorxs negro-brasileirxs [que] estão à nossa espera para pô-los em diálogo com a África Negra, investimento de toda uma vida de intelectuais como Joseph Ki-Zerbo e Abdias do Nascimento. Os estudos encruzilhados propõem uma dinâmica constante de abalo à normalização do campo, já que a filosofia do paradoxo que rege Exu é o logos da encruzilhada (SANTOS, 2013, p. 51).

Dessa maneira temos a encruzilhada (MARTINS, 1997) como operador teórico, como local de encontro e desencontros, fusões e rupturas, convergências e divergências, onde o que está posto se refaz e refaz e refaz, propondo a horizontalidade das diferenças trazendo uma nova/outra perspectiva móvel e deslizante para o debate no campo.
Com isso, temos a emergência dos estudos encruzilhados dialogando com uma postura afrorrizomática, que se inspira no conceito de Deleuze e Guatarri, a partir do rizoma da botânica e sua forma fluída e descentralizada, não seguindo hierarquias. Com os afrorrizomas temos a ruptura da submissão ao modelo centralizador luso como determinante para as literaturas do Brasil e da África de língua portuguesa intensificando as relações negras entre esses países, até então ostracizadas por um modelo que perpetua a lógica subalterna imposta pela escravização (SANTOS, 2013).
Sendo assim, com essa percepção afrorrizomática[3] propomos encruzilhar as literaturas negro-brasileira e moçambicana pelos livros “Cair de Costas” (2012), do brasileiro Ronald Augusto, e “Mafonematográfico também Círculo Abstracto” (2011), do moçambicano Sangare Okapi, tendo como perspectiva as experimentações ousadas com a linguagem, muitas vezes partindo para poemas visuais ou com reduzida sintaxe realizados por estes dois autores, questionando o fazer poético, expandindo-o, fragmentando-o, desafiando os condicionamentos da crítica.
Ronald Augusto é poeta, músico e ensaísta, já com longo percurso poético remetendo ao início dos anos 1980, possui uma obra ensaística de enorme apuro e aguçada percepção literária, também participa ativamente dos debates raciais brasileiros. A questão racial aparece com frequência em suas obras, mas sem a centralidade e a linguagem mais engajada de outros nomes de sua geração inserida na literatura negro-brasileira (CUTI, 2010). Essa vertente literária tem na questão racial, no combate e denúncia do racismo, na valorização e afirmação da identidade negra brasileira, na revisão crítica da história oficial, no uso da oralidade negra e da religiosidade de matriz africana, na reivindicação da autoria negra de autores canônicos como Cruz e Sousa, Machado de Assis e Lima Barreto, na reconfiguração das personagens negras e de temas negros na nossa literatura como alguns dos seus pressupostos.
Entretanto, a obra poética de Ronald Augusto distancia-se dessa vertente literária por não explicitar essas questões, estando dentro e fora, abrindo-se para o que chamamos de pluralismo dos transnegressores[4], conjunto de poetas negros brasileiros[5] com obras mais comprometidas com a reinvenção da linguagem, ainda que tenha uma vertente historicista também acentuada (PEREIRA, 2010), arriscando-se por caminhos complexos que, muitas vezes, o discurso engajado não proporciona.
Sangare Okapi nasceu em Maputo, capital de Moçambique, anteriormente publicou “Inventário de Angústias ou Apoteose do Nada” e “Mesmos Barcos ou Poemas de Revisitação do Corpo”, ambos de poesia. Apesar da enxuta obra, Okapi vem se consolidando como o mais radical e inovador poeta de sua geração. Okapi distende-se de uma lírica calcada na poesia do eu (SECCO, 2003), ou de afetos, ou erótica que ambienta boa parte das obras de seus pares desde os anos 1980. Okapi investe em uma madura intertextualidade de referenciais moçambicanos e de outras literaturas, e mostrando com desenvoltura o amadurecimento de sua vertente concretista, de investigação visual e abstrata, caminho este predominante no seu livro e objeto de análise neste artigo.
Já “Cair de Costas”, de Ronald Augusto, é uma reunião, em ordem decrescente, de publicação dos livros do autor no período de 1992 a 1983. As duas obras desses autores esgarçam experiências poéticas ao investir em fissuras de linguagem (ROLIM, 2012) que desestabilizam as características das literaturas em que estão inseridas, sendo merecedores de maior atenção devido ao caráter subversivo e criativo no uso da palavra, surpreendendo o leitor, tornando-o, como toda boa poesia, participante do poema, mas, que aqui ganha em surpresa pelo que não diz, pela incompletude que causa espanto e faz refletir:

diz


trair a tradição


inventar a     (AUGUSTO, 2012, p. 117)

Poesia de ruptura, de inconformismo com as presilhas das correntes estéticas, de ironia diante das vanguardas e seus vazios conceituais; poesia concisa, de versos com a força do desagradável corte de uma farpa, questionadora da presunção da literatura de nosso tempo. Nesse sentido, o poeta dá continuidade ao seu manancial intersticial:

leitor  ulisses

homero (
e) m
pessoa

ninguém
está de posse do
pós     (AUGUSTO, 2012, p. 119)

A poesia de Ronald Augusto possui o mérito de confrontar “palavras sempre em vias de, prestes a” (ROLIM, 2012, p. 181), a palavra esvaindo-se, rompendo a comunicação, pressionando o leitor com sua fragmentação, com o fim abrupto, aberto de possibilidades... para o quê? Cabe ao leitor decidir quando se depara com uma poesia que propõe esse embate, pois

(...) não é o poeta
quem maldiz: é a linguagem
ela mesma em toda a
sua
radicalidade      (AUGUSTO, 2012, p. 48-49)

É esse compromisso sem medo da síntese, de ferir por meio da inovação a percepção de quem a lê, de seguir pela imprecisão de dizer. Esse é o caminho trilhado por Ronald Augusto como o seguido por Sangare Okapi, que abre o seu livro com um “pórtico” contendo epígrafes que muito anunciam o que o leitor encontrará nas páginas do seu “Mafonematográfico também círculo abstracto”. A primeira é uma passagem de um nome histórico da poesia moçambicana, Sebastião Alba: “Escrevo com terrível dificuldade: rescrevo, colo, interpolo, publico um poema como quem o espelha. Armo a oficina em qualquer parte, sem tabuleta que o indique. Ninguém sabe, mas ali sua-se”(OKAPI, 2011, p. 5).
Nos poemas de Okapi encontraremos, o labor, a vontade exacerbada do seu comprometimento – es// crevo es// cravo// es// cravo/ es// crevo// pede o momento// meu movimento// algum ofício// artifício (OKAPI, 2011, p. 34). Temos a nítida influência da poesia concreta e neoconcreta brasileira (PEDRO, 2012), os poemas de Okapi não estão preocupados com metaforização discursiva, beletrismo e outras facilidades, mas com a forma, a sintaxe rarefeita, seu aspecto visual, com a exploração dos espaços em branco, a abstração do poema, como em “Canção”:

fina flor
doce dor

seta
certa

letra
morta

pauta
posta

silêncio
composto    (OKAPI, 2011, p. 22)

É nítido que a sua perspicácia está muito mais aguçada que no seu livro anterior, “Mesmos barcos”, pois, quando analisamos aquele livro apontamos para o caráter tímido da veia concreta que ali se apresentava, mas que aqui atinge um nível de risco único entre os seus pares, como no poema “Caminhos”:

acende        a noite
o dia           a paga
enterra        a tristeza
a noite         a fugenta
inventa        faça
o mar          amor    (OKAPI, 2011, p. 10)

O poema ganha com as diferentes direções de leituras que podem ser feitas em razão da velocidade dos vocábulos que se apresentam nos versos, que ganham novos contornos pelo estímulo causado pelo espaço vazio, trazendo a possibilidade de uma leitura não-linear estimulada pelos vazios. Estamos à frente de um poema que não apenas se lê, mas se vê. Entretanto, a poesia de Sangare Okapi quer mais, para isso, utiliza um texto de E. Lemos & M. Ngwenya como epígrafe para abertura do derradeiro caderno de seu livro, intitulado Raio Segundo, “[e]stamos perante uma gramática pouco usual no país (...), inédita. Estas estranhas formas que brotam ora verticais ora horizontais ou oblíquas. São gritos contra as regras académicas, apesar de ser toda uma instrumentação escolar que possibilita aquele ritmo” (OKAPI, 2011, p. 23). Desafiar a língua e os sentidos fáceis transmitidos por um conforto discursivo poético, buscas inquietas da precisão da imprecisão. Segue “Caligrama”:



 (OKAPI, 2011, p. 36)

O recurso ao caligrama para mostrar a insuficiência perceptiva de um não-dizer e apresentar o desarranjo das vagas que encerram o poema, o leitor à deriva, aberto para a expansão dos seus sentidos. Tal como o enigmático título de seu livro, os poemas que compõem este caderno navegam por um território indefinido, híbrido na tentativa incessante de experimentar a linguagem, dialogando com as técnicas de vanguarda das artes plásticas e artes visuais os títulos de seus poemas são instigantes, compostos por fichas técnicas como obras de arte em uma exposição, tais como “Figuração do homem-cão, técnica mista, 7 x  5 cm”, “Aguarelas d’azul sobre o espaço, 4 x 5 cm”, “Dança, colagrafia sobre cartolina, 5 x 3 cm”, “Instalação da voz (pormenor), mínima dimensão, 1998” e “Abstracto de palavras sobre papel, 4 x 7 cm”.
Valendo-se da ironia, o poeta reforça o quanto são difíceis as delimitações das fronteiras da arte contemporânea, sinalizando o fazer poético para diferentes espaços sensoriais, para isso, muitas vezes radicalizando na síntese, suprimindo a palavra, partindo para a abstração como em “Colagem, grafemas sobre o cartão, 4 x 3 cm”:



(OKAPI, 2011, p. 24)

Trata-se de um processo de abstração que se apresenta agônico diante da ruptura que se pretende, da partida da força sacralizante, normativa e de subserviência da língua, por isso o caminho do fragmento, rumo incontornável para a abstração, poesia que não é mais palavra nem sintaxe, apenas fonema, múltiplos fonemas, e por isso o prefixo “ma”[6] na palavra “fonema”, formando o neologismo “mafonematográfico”, também explorando a experiência híbrida e ágil com as palavras. Poesia solta no espaço do papel navegando com a ausência de sentido verbal. Neste poema, talvez, a chave para compreensão neste exercício de poesia híbrida de “Mafonematográfico também círculo abstracto”.
Ronald Augusto percorre um processo talvez ainda mais radical de desenvolvimento de uma poesia não-verbal, vasculhando os extremos da síntese e demonstrando pleno conhecimento do seu ofício ao mesclar suas experimentações com incontáveis referenciais das culturas afro-brasileiras, tanto no campo linguístico quanto da religiosidade. Tais códigos rasuram a linguagem tradicional da literatura brasileira, impactando o leitor desavisado, ainda mais que a presença negra na poesia de Augusto não é explícita para os que não são iniciados nesses códigos com o uso de palavras de origens africanas, das etnias que foram retiradas à força da África e aqui reconfiguraram seus falares, subvertendo e enriquecendo a língua portuguesa com esses outros vocábulos.
Importante destacarmos as considerações da intelectual e professora negra norte-americana bell hooks acerca do caráter dominador e opressor da língua, ainda que ela utilize como exemplo a língua inglesa, mas por mencionar uma experiência negra em contexto diaspórico podemos pensar no caso brasileiro, uma vez que uma das características das culturas negras em diáspora é a sua transnacionalidade (HALL, 2011; GILROY, 2001). hooks (2013) é bastante feliz ao afirmar que a língua padrão esconde os ruídos da matança e da conquista, fato comum no continente americano para os índios e para a população negra escravizada que foi retirada à força do continente africano. hooks considera que não é a língua que a machuca, mas o seu uso pelos opressores, pelo poder, que a limita e define numa forma de envergonhar, humilhar e colonizar. Para ela, a língua utilizada por negras e negros é uma contralíngua a partir do momento que passaram a utilizar uma fala quebrada, fragmentada, despedaçada, passando a ser uma forma de resistência, reinventando a língua para além das fronteiras da dominação com o uso incorreto e na colocação incorreta das palavras nas frases, fazendo do uso da língua um local de rebelião e resistência.
Nesse sentido, essencial para nossa análise as considerações da crítica literária Prisca Agustoni (2010) acerca da poesia não-verbal de Ronald Augusto, uma vez que seus poemas se tornam imagens de extrema estilização, pois codificam signos das religiosidades afro-brasileiras, característica que revela o profundo conhecimento do poeta neste campo. Dentre os poemas de Ronald, alguns são dedicados aos orixás, caso de “Ogum”:


(AUGUSTO, 2012, p. 93)

Importante destacar que para análise desses poemas, Agustoni (2010) necessitou conversar com o poeta para que lhe passasse explicações, somente a partir daí que foi possível desenvolver seu pensamento crítico. No caso do poema supracitado, este aparece sem título no livro “Cair de Costas” e na sua primeira versão, em “Puya” (1987). Há no poema a supressão total da letra, abstraindo-a, assim o poema transforma-se em ícone. Agustoni recorre ao crítico literário Cândido Rolim (2012) que já havia afirmado o caráter radical de síntese na poética de Ronald, alcançando a sua extremidade neste poema “Ogum”, que a faz considerar que o poema passa do poema-verbo para o poema-escultura, ainda que preso à bidimensionalidade da folha de papel. A percepção do poema se dá com as referências ao ferro e aos instrumentos utilizados pelos ferreiros, pois “Ogum é o orixá do ferro e da metalurgia, o campo semântico relativo ao ferro e aos instrumentos forjados neste metal remete às suas características” (AGUSTONI, 2010, p. 502). Diante disso, a referida crítica considera o trabalho desenvolvido por Ronald com um nível de experimentalismo e conceitualismo refinado, aguçado, que necessita do reconhecimento por parte do leitor desses códigos que circulam pelo Atlântico Negro. Agustoni frisa ainda que a especificidade da poesia de Ronald é experimentar, ousar com a linguagem dentro das nossas tradições negras, rasurando a experiência concreta brasileira focada nos ideogramas da cultura chinesa.
Procuramos na brevidade deste artigo demonstrar que a partir da percepção das literaturas negro-diaspóricas[7] para os comparativos da literatura brasileira e das literaturas africanas de língua portuguesa podem contribuir para a expansão do campo. Para esse intento, é fundamental a abertura oferecida pelos estudos encruzilhados e a perspectiva negra acompanhando as experimentações possíveis, oriundas de outras tendências estéticas, que os poetas Ronald Augusto e Sangare Okapi podem fornecer para a transformação ininterrupta e ilimitada com a linguagem. Poéticas com a sintaxe escassa e a fragmentação rumo à abstração, que sugerem mais do que propriamente se preocupam em dizer, transcendem o que se convencionou na literatura negro-brasileira e na literatura moçambicana, e, navegando por áreas maiores, a literatura brasileira e as literaturas africanas de língua portuguesa. Sendo assim, a poesia só tem a ganhar com a precisão da imprecisão desses dois poetas que percorrem os interstícios da linguagem.


REFERÊNCIAS:

AGUSTONI, Prisca. A diáspora negra na poesia performática de Ronald Augusto. In: PEREIRA, Edimilson de Almeida. Um tigre na floresta de signos – estudos sobre poesia e demandas sociais no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2010, p. 497-506.

AUGEL, Moema Parente. Prefácio. In: SANTOS, José Henrique de Freitas; RISO, Ricardo (Orgs.). Afro-Rizomas na Diáspora Negra: as literaturas africanas na encruzilhada brasileira. Rio de Janeiro: Kitabu, 2013, p. 17-40.

AUGUSTO, Ronald. Cair de Costas (poesia 1992-1983). Porto Alegre: Éblis, 2012.

_____. Transnegressão. In: PEREIRA, Edimilson de Almeida. Um tigre na floresta de signos – estudos sobre poesia e demandas sociais no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2010, p. 425-437.

COUTINHO, Eduardo F.; CARVALHAL, Tania Franco (Orgs.). Literatura Comparada – textos fundadores. 2 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.

CUTI. Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2010.

GILROY, Paul. Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001.

GUIMARÃES, Geny Ferreira; SOUZA, Ricardo Silva Ramos de. “Mercado editorial brasileiro: seus entraves para a aplicação da lei 10.639/2003 e o permanente não reconhecimento do negro escritor”. III Pensando Áfricas e Suas Diásporas e I Encontro de Antropologia e Educação. Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP/MG), setembro de 2012.

HALL, Stuart. Da diáspora – identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.

hooks, bell. A língua. In: _____. Ensinando a transgredir – a educação como prática da liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013, p. 223-234.

MARTINS, Leda Maria. Afrografias de Memória – o Reinado do Rosário no Jatobá. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Mazza Edições, 1997.

OKAPI, Sangare. Mafonematográfico Também Círculo Abstracto. Maputo: Alcance Editores, 2011.

PADILHA, Laura Cavalcante. A diferença interroga o cânone. In: _____. Novos pactos, outras ficções – ensaios sobre literaturas afro-luso-brasileiras. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. p. 163-170.

PEDRO, Mbate. Mafonematográfico Também Círculo Abstracto ou a Evasão do eu desassossegado na poesia neoconcreta de Sangare Okapi. In: Literatas – Revista de literatura moçambicana e lusófona. Maputo, Moçambique. 27 abr. 2012. Ano II. n. 27, p. 6-12.

PEREIRA, Edimilson de Almeida. Invenção e liberdade na poesia brasileira contemporânea. In: _____.  Um tigre na floresta de signos – estudos sobre poesia e demandas sociais no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2010, p. 356-395.

RISO, Ricardo. “Sangare Okapi – e a revisitação do corpo literário moçambicano em ‘Mesmos Barcos’”. Revista Triplov de Artes, Religiões e Ciências. n. 25-26. mar-abr. 2012. ISSN 2182-147X. Disponível em: . Acesso em: 23 dez. 2014.

_____.  “É hora de ouvir os atabaques” de dois poetas sem equívocos: Éle Semog e José Carlos Limeira. Disponível em: .  Acesso em: 10 dez. 2014.

ROLIM, Cândido. Fissuras de linguagem em “Cair de Costas”. In: AUGUSTO, Ronald. Cair de Costas (poesia 1992-1983). Porto Alegre: Éblis, 2012, p. 179-194.

SANTOS, José Henrique de Freitas. Dez-a-fios epistemológicos para as literaturas africanas no Brasil. In: _____.; RISO, Ricardo (Orgs.). Afro-Rizomas na Diáspora Negra: as literaturas africanas na encruzilhada brasileira. Rio de Janeiro: Kitabu, 2013, p. 41-58.

SECCO, Carmen Lucia Tindó R. Paisagens, memórias e sonhos na poesia moçambicana contemporânea. In: _____. A magia das letras africanas – ensaios escolhidos sobre as literaturas de Angola e Moçambique e alguns outros diálogos. Rio de Janeiro: ABE Graph Editora, 2003, p. 280-306.

SOUZA, Ricardo Silva Ramos de. Afirmando outras versões da História... memória e identidade nas poéticas de Éle Semog e José Luis Hopffer Almada. Programa de Pós-graduação em Relações Étnico-Raciais (Dissertação de Mestrado), Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, 2014.



[1] Nome de Ricardo Silva Ramos de Souza (1974). Mestre em Relações Étnico-Raciais (CEFET/RJ). Com José Henrique de Freitas Santos organizou “Afro-Rizomas na Diáspora Negra: as literaturas africanas na encruzilhada brasileira” (Kitabu Editora, 2013). Autor do blog Riso – sonhos não envelhecem - . E-mail: risoatelie@gmail.com

[2] Com Guimarães (2012) fizemos levantamento estatístico comprovando a existência de um cânone luso-descendente para as literaturas africanas de língua portuguesa publicadas pelo mercado editorial brasileiro. De 115 obras lançadas de janeiro/2003 a setembro/2012, 81 são dos angolanos Pepetela, José Eduardo Agualusa, Ondjaki, Luandino Vieira e Ruy Duarte de Carvalho; e do moçambicano Mia Couto.

[3] Inspirando-se na descentralização proposta pelo conceito de rizoma de Deleuze e Guatarri, os afrorrizomas “constituem-se como uma reversão da perspectiva que toma exclusivamente para a emergência das literaturas no Brasil e nos países africanos de língua portuguesa, reconfigurando, dessa forma, as relações em jogo. O termo afro, neste contexto, é ressignificado pela perspectiva da diáspora, que, de acordo com Hall (2003) e Gilroy (2001), não se refere apenas à dispersão dos povos africanos pelo mundo, mas, principalmente, à construção de um novo espaço simbólico, no qual a reversão da condição subalterna imposta pela escravização africana é realizada continuamente em campos como a música, a literatura e a produção cultural. Desta forma, assim como a literatura afro-brasileira soergue-se historicamente no Brasil afirmando uma estética negra em diálogo com a África, a partir do tensionamento de um cânone instituído que invisibiliza as produções e representações negras, as literaturas africanas de língua portuguesa emergem também como escritas de si para além de uma circunscrição geopolítica, através de uma tessitura que opera entre tradições e modernidades, entre o local e o global, sem furtar-se a avaliar os projetos nacionais reservados aos países africanos” (SANTOS, 2013, p. 54-55).

[4] Transnegressão é neologismo de Arnaldo Xavier (1948-2004) incluído no livro de poesia “LudLud”. Segundo Ronald Augusto: “O compósito verbal transnegressão, cunhado por ele, tenta dar conta – através da justaposição dos vocábulos (negro + transgressão), no estilo da montagem cinematográfica – de uma proposta estética interessada em lesar tanto as ideias feitas que orientam nossas filosofias de vida, quanto à imagem de um cânone totalizante, ‘universal’, vantajoso (para quem?) a ponto de ser aplicado em qualquer tempo-espaço” (AUGUSTO, 2010, p. 434, grifos do autor).

[5] Podemos citar, dentre outros, os poetas Salgado Maranhão, Edimilson de Almeida Pereira, Ricardo Aleixo, Lívia Natália, Conceição Evaristo e Cuti.

[6] Prefixo “ma” em ronga, língua nacional de Moçambique, indicativo de plural. Informação passada pelo próprio Sangare Okapi quando esteve conosco, no Rio de Janeiro, em maio de 2012.

[7] Consideramos como literaturas negro-diaspóricas (RISO, 2014) as diferentes literaturas negras que trazem marcas da afirmação, inclusão e valorização do ser negro e da sua origem africana, do vínculo com as religiões de matrizes africanas, o uso da oralidade e de expressões africanas no texto literário, a revisão crítica da história, a denúncia incansável da discriminação racial em seus países, o olhar solidário e consciente para os problemas dos negros na diáspora e em África em diálogos incessantes, trocas ininterruptas com os textos de negras e negros desses países. As literaturas negro-diaspóricas encontram seus referenciais nos primeiros textos literários de negros durante a colonização nas Américas, na oralitura que o cânone ocidental desconsidera, tais como os cânticos dos escravizados, como nas spirituals songs e os orikis, assim como o grafite e o rap dos nossos dias; essas literaturas inspiram-se nos movimentos culturais das décadas de 1920-30, como o Harlem Renaissance, a Negritude, o Negrismo cubano, o Indigenismo Haitiano; no reggae jamaicano e demais movimentos negros na diáspora que, desde então, se relacionam de diferentes maneiras e intensidades. Dessa maneira, encontramos recursos estilísticos, estético-formais e temáticas que se assemelham, tendo na ininterrupta inventividade com a linguagem a forma para rasurar os cânones estabelecidos. As literaturas negro-diaspóricas buscam o diálogo enegrecido com propostas que descolonizam o pensamento, questionem e promovam a ruptura com a colonialidade do saber e do poder, que ampliem, rasurem e desierarquizem o cânone brancocêntrico homogeneizante e excludente, tais como a escrevivência (Conceição Evaristo), a filosofia da afroperspectividade (Renato Noguera), os estudos encruzilhados e os afrorrizomas (Henrique Freitas). (SOUZA, 2014, p. 102-103)

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