Andy Warhol: a fama como culto e
impostura
Ronald Augusto[1]
Donald Kuspit abre o
capítulo 5 (“Fame as the cure-all: The Charisma of
Cynicism – Andy Warhol”) da obra The
Cult of the Avant-Garde Artist (1993), com
três epígrafes, e em uma delas há um comentário do próprio Andy Warhol em que
se lê a seguinte afirmação: “Nos dias atuais se você é um trapaceiro/impostor,
ainda assim você estará por cima” ou, como prefiro ler, “Nos dias atuais se
você é um impostor, por isso mesmo você estará por cima”. A epígrafe se mostra
importante por colocar já de início a noção de cinismo ou de culto à trapaça na
arte de Warhol. Ao longo de sua análise, Kuspit relaciona essa senha paratextual
à arte perversa de Warhol que, de resto, opera uma manipulação da ânsia
contemporânea pela fama como cura para tudo (panaceia).
Num primeiro momento de
sua análise Donald Kuspit parece admitir que Warhol se relaciona com a fama de
um modo fetichista, isto é, segundo o crítico, Warhol acreditaria supersticiosamente
na fama, pois de algum modo, no entender do artista, ela poderia afastá-lo do
sentimento do nada ou da sensação de ser nada que o angustiava. Talvez por isso
mesmo, pondera Kuspit, a decisão pelo enfrentamento irônico da fama, passada a
fase supersticiosa, fez com que Warhol se libertasse dela enquanto panaceia.
Warhol foi uma espécie de
Midas negativo, pois se vingou do sentimento de ser nada pressuposto nas
condições em que a fama se impõe, transformando tudo o que tocava em nada. Para
Kuspit, Warhol usou a fama em sua arte e, inclusive, a sua própria como um
mecanismo de desilusão. Ele manipulava os valores mercantis da magia do
estrelato fazendo com que aqueles que dele se aproximassem, achassem que tal
contato poderia libertá-los da miséria de sua existência multiplicada enquanto
desejo icônico, mas Warhol ao atraí-los para a sua arte da trapaça, acaba menos
traindo a eles do que eles a si próprios, já que se traem a si mesmos porque
são crédulos em relação ao poder de cura da fama: promessa da estética ou da
“marca” warholiana.
Warhol considera a fama como
um espelhamento da banalidade tanto da sua como da nossa existência. Para
Kuspit, Warhol investigou o glamour dos famosos e interrogou-o até o limite de
sua desintegração; deste modo, mostrou que a fama é uma camuflagem rasa, e todo
ambiente ao redor não é mais que um baile de máscaras.
A arte de Warhol,
portanto, é um exercício prolongado e implacável na direção de desvelar os
processos entrópicos contidos na banalização. Na verdade, para ele, mais do que
para qualquer outro artista pop, o método é o mestre da arte. Warhol utiliza a
serialidade (as coisas feitas em série) para reforçar a autorreferencialidade
banal dos sujeitos da fama, independentemente da sua aparência. A fama, assim,
se banaliza e se esvazia na mesma medida em que é multiplicada. Warhol, de
acordo com Donald Kuspit, sugere que para ser famoso basta sucumbir a uma
repetição ad nauseam tal como aquela
de um disco arranhado. O que está em causa aqui é a noção de reificação.
Warhol compreende que os
famosos estão dispostos a render-se à banalidade para sustentar sua fama, como
se eles acreditassem que apenas quando a fama é completamente domesticada pela
banalidade é que ela se torna convincente para eles mesmos. Mas a arte de
Warhol reforça em tom cínico, isto é, dissimulando seu desejo pelo glamour que
emana da fama, que o mundo pop da banalidade é incapaz de nos libertar do
sentimento de nada, ou de ser nada.
Em certo sentido, toda a
carreira de Warhol é uma demonstração perversa de que a fama, como última
esperança terapêutica, não cura coisa nenhuma. Através de sua arte ele aborda e
projeta seu sentimento de ser nada e o nada da fama que se deposita em produtos
e marcas do mundo da mercadoria e nas pessoas reféns da cultura da celebridade.
A arte de Warhol sinaliza
o fim da crença no poder terapêutico da arte. Ela existe para nos desiludir
sobre a arte, e é uma arte da desilusão. Para Kuspit, a de Warhol é a primeira
arte genuinamente pós-modernista. Acreditar no poder saneador da arte é um dos
pilares do modernismo, isto é, os artistas modernistas acreditam que a
transformação revolucionária na arte demonstra seu poder de também transformar
para melhor a vida do indivíduo.
Esta é, aliás, a lógica
final para a utopia modernista. Da mesma forma, a descrença no poder de cura da
arte é a pedra angular do pós-modernismo, e a fonte a partir da qual vem seu
historicismo regressivo e a semioticização de feição virtuosística da arte que
se segue. Kuspit considera que o pós-modernismo ao reduzir a arte à sua própria
história, formando um panorama fechado em si mesmo, sugere uma espécie de
involução, exaustão e futilidade. O pós-modernismo envolve a reificação
intelectual e fornece à vanguarda a categoria de desindividualização.
Donald Kuspit observa que em algum momento Warhol se
descreve a si mesmo como uma máquina. Sua arte era na verdade
uma máquina para extrair a fama dos seres humanos como se a celebridade
decorrente fosse a alma ou a essência deles. Nesse processo Warhol como que os
compactava. O destilado concentrado da fama foi um tipo de produto para ser
bebido por Warhol como um elixir da juventude. É como se Warhol fosse um
parasita; quanto maior e mais eficaz é a sua arte, menos humanos se tornam os
sujeitos da fama banalizados e/ou esvaziados pela reificação serial das obras
warholianas.
Entretanto, Kuspit não
pensa que Warhol levasse a sério a metáfora autocrítica de que ele seria uma
máquina. É claro que o artista foi inteiramente irônico. Na verdade, o artista
usou dessa metáfora para afirmar implicitamente a existência de uma identidade
entra a máquina e Deus no mundo moderno. Warhol se definia como uma “máquina de
influenciar”. Na era da fama e das celebridades esvaziadas, especular sobre os
desejos e influenciar a recepção da audiência são estratégias fundamentais do
trapaceiro pop.
Warhol simplesmente
materializou através de sua arte a verdade de que a fama, glamourizada de forma
cética e perversa pela estética pop, não é nada mais nada menos do que
aparência, uma carência inexaurível de sentido. Através de uma alegre
hostilidade, a trampa artística de Andy Warhol reduz o humano à rotina mais simples
e banal, ao invés de enriquecer o nosso sentido acerca de suas possibilidades
de complexidade e sutileza.
[1]
Ronald
Augusto é poeta, músico, letrista e
crítico de poesia. É autor de, entre outros, Confissões Aplicadas (2004), Cair
de Costas (2012), Decupagens Assim
(2012) e Empresto do Visitante
(2013). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com
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