Em vista dos últimos
acontecimentos políticos
Ronald
Augusto[1]
Salvemos essa porra, sim,
mas desde que isso não signifique passar uma borracha nas falcatruas, sejam
elas à direita, sejam à esquerda ou ao centro do leque político. O patriotismo
da urgência urgentíssima. A rotina do curto prazo. Ah, Brasil, sempre esse
negócio de que é preciso tirá-lo do buraco a qualquer custo. Estamos sempre à
beira da dissolução econômica, institucional, moral. De um lado, o indigníssimo
usurpador diz que agora que o salvamento acabara de chegar (suas reformas do
mercado), um complô foi armado contra ele. Do outro lado, só com o Lula-lá
poderemos impedir o sequestro completo dos nossos direitos e da normalidade
democrática. Oi? Nossas escolhas devem ser sempre extremas e urgentes. Formular
isso como uma questão, há muito deixou de fazer sentido. Que pensar que nada.
Ou você acompanha ou você acompanha. Quem morre é sempre o outro.
*
Os agnósticos
com relação ao envolvimento do PT com a corrupção, explicam que até agora não
se têm um conhecimento (evidências) suficientemente comprovado a respeito. Ao
mesmo tempo, esses militantes agnósticos têm convicção de que todas as coisas
são possíveis, inclusive o PT estar envolvido com a corrupção. De fato, este
mundo é tão estranho, tudo pode acontecer ou não acontecer. Os agnósticos, no
que diz respeito ao envolvimento ou não do PT com a corrupção, se concedem o
direito de viver em um mundo mais vasto, em um mundo mais utópico. Com isto
eles se mostram mais tolerantes, ao menos aparentemente.
*
No fundo
o devoto não tem coragem de não acreditar. Por isso sacode para si mesmo, como
um troféu, a circunstancial falta de provas sobre a lisura do objeto de sua
devoção, o que torna um pouco mais tolerável a enrustida incredulidade de que
se ressente.
*
Entretanto, não basta ser
contrário ao golpe. Não basta repudiar um governo reacionário, misógino e
racista. Para não ser tomado por um traíra você tem que ser meio
esquerdofrênico e não contrariar a limitância.
*
Chego a pensar que, às
vezes, é pior assistir ao golpista se pronunciando do que acompanhar ele
andando pé ante pé indo para púlpito ou o deixando. Parece um autômato, um
títere. Ele caminha como que a contragosto, como se os anos em que esteve
deitado em um sarcófago tivessem lhe tirado a naturalidade humana de andar
sobre as duas pernas. É horripilante.
*
A OAB é
sempre demagógica, intencionalmente retardatária e oportunista.
*
Ivo
Sartori representa como ninguém, talvez mais até do que Michel Temer, o estado
de espírito desse tempo em que estamos imersos. Governo duro, isto é, sem a
plasticidade da inteligência e que se projeta sobre a realidade através de um
discurso retrô rebaixado até a clicheria mais abjeta. Se quisermos dar crédito
à metáfora do “estadista”, isto é, dando assentimento aos seus sentidos
positivos, Sartori figura nas antípodas desta coisa. Entretanto, sua condição
de antípoda é mais fraca ainda: ele é o simulacro do avesso de um estadista.
Não serve nem como contraste, mesmo nefasto, serve ao escárnio nosso e de si
mesmo. Um tipo diminuído de Mussolini.
[1]
Ronald Augusto é poeta, músico, letrista e ensaísta. É autor de, entre outros,
Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha
(1992), Confissões Aplicadas (2004), No Assoalho Duro (2007), Cair de Costas (2012), Decupagens Assim (2012) e À Ipásia que o espera (2016). Dá
expediente no blog www.poesia-pau.blgspot.com
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